A emergência climática entrou em Seia há 25 anos, numa sala de cinema

Festival Cineeco anda há duas décadas e meia a activar consciências para as grandes questões ambientais do nosso tempo. E a partir deste sábado volta a iluminar o ecrã com cinema ambiental de vinte países.

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ilustração carolina cela/big

A Conferência do Rio tinha sido há dois anos, mas as águas corriam lentas, no planeta, para a mudança que então já se dizia urgente, quando Mário Branquinho desafiou a comunidade de Seia a participar num concurso de vídeos sobre o Ambiente. Ali, na Serra da Estrela, a brincadeira bem-sucedida de 1994 deu origem a um festival de cinema, que aguentou 25 anos até ver o tempo alinhar-se com a mensagem que ecoa numa sala escura. O Cineeco reabre este sábado as portas a múltiplas reflexões sobre a Terra em que vivemos, e na primeira sessão, além de uma celebração deste aniversário redondo, há um filme-concerto em torno do romance musical O Dia em que o Mar Voltou de Miguel Gizzas, sobre um novo terramoto em Lisboa

Se a Terra é a nossa casa comum, o Cineeco é a reunião de condomínio onde nós, os moradores, somos colocados perante as infiltrações no telhado, as caleiras entupidas e a fachada a precisar de uma urgente reabilitação. Um dia alguém há-de pedir a factura da nossa incúria, mas até lá vai-se dizendo que ainda há tempo para salvar alguma coisa, e manter o prédio de pé. Mário Branquinho, primeiro numa equipa dirigida por Lauro António e, desde 2012, como director, viu, através dos filmes que ano após ano se inscrevem para o festival, como foi mudando o sentido dessa urgência, e como a palavra ambiente se viu merecedora de múltiplos significados, deslocando-se de um sentido inicial um pouco mais preso à “paisagem e à conservação da natureza”, para este sentido amplo, em que deixamos de nos excluir dessa mesma natureza e assumimos que é da conservação da vida humana na Terra que estamos, também, a falar. 

Com cerca de 80 filmes de vinte países, distribuídos por várias categorias e formatos, fruto de uma selecção entre 500 a 600 obras, o festival é também um retrato de como a emergência climática chegou às cinematografias dos quatro cantos do mundo, e como estes filmes vêm ganhando espaço — ou seja salas — para exibição. Em 2013, o Cineeco foi co-fundador de uma rede de organizações, a Green Film Network, representativa de quase 40 festivais, e que criou o seu próprio prémio. Este ano, pela segunda vez, os directores de alguns deles reúnem-se na Serra da Estrela, onde poderemos ver a longa metragem que ganhou o prémio GFN 2018, Genesis 2.0, de Christian Frei (que compete na secção Longas Internacionais). 

Vida por uma causa

Se é certo que temos mais mundo a falar, e a filmar sobre Ambiente (e cada vez com mais recursos tecnológicos, nota Mário Branquinho), a luta contra as alterações climáticas enfrenta também barreiras, e a quebra no número de filmes inscritos com origem no Brasil, por exemplo, pode ser um sinal disso mesmo, admite o director do festival. “Chegamos a ter quase 100 filmes inscritos, do Brasil, este ano tivemos menos de 40”, explica.

Ainda assim, há, na selecção, meia dúzia de produções assinadas por realizadores brasileiros, com destaque para uma que aborda um dos temas do momento — lá, e não só. Amazônia, o Despertar da Florestania, a estreia da famosa actriz de telenovela Christiane Torloni na realização, com Miguel Przewodowski, é um hino a figuras mais ou menos conhecidas que dedicaram a sua vida a uma causa a que a realizadora se juntou depois de, em 2007, ter participado numa série da Globo sobre o tema. 

Entre os portugueses, Mário Branquinho destaca Hálito Azul, de Rodrigo Areias, uma viagem à comunidade açoriana da Ribeira Quente, Understory, a incursão de Margarida Cardoso pela história e o impacto cultural e económico da planta do Cacau em São Tomé e Príncipe, Inglaterra e Brasil, e Alva, uma longa de Ico Costa sobre um homem que se esconde na floresta após cometer um crime. Mas há mais produção nacional, nomeadamente na secção de Curtas, e na Competição Panorama Regional.

HÁLITO AZUL | BLUE BREATH TRAILER_EN from BANDO À PARTE on Vimeo.

Mas há muito mais para ver, ao longo de toda uma semana em que ao cinema — longas, curtas e curtinhas, para quem está a dar os primeiros passos — se juntam diversas iniciativas paralelas, como exposições de fotografia, oficinas, debates. Estes têm preponderância logo neste sábado, com duas conversas, uma, a partir das 11h, em torno da educação ambiental através do cinema, e outra, a partir das 15, sobre o papel das novas gerações nas alterações climáticas. 

Neste 2019 em que Greta Thunberg se afirmou definitivamente como porta-voz de uma geração, a bióloga Helena Freitas vai moderar uma conversa entre a fotógrafa e activista brasileira Bárbara Veiga, Paula Sobral, Presidente da Associação Portuguesa de Lixo Marinho, Francisco Ferreira, Presidente da Associação ZERO e o fotógrafo norte-americano Timothy Bouldry, que acompanha as histórias de lixeiras em todo o mundo, as pessoas que delas dependem, e que  desenvolve soluções para as comunidades locais, como o projecto Trading Trash for Education, que procura acabar com o trabalho infantil, em três depósitos de resíduos na Nicarágua e no Uganda.

Aos 25 anos, o Cineeco procura, pelo cinema, mostrar soluções para alguns dos problemas do nosso tempo, ainda que, no ecrã, essa reflexão se faça muitas vezes com imagens chocantes, a tentar abanar consciências. “Já saímos de muitos filmes angustiados, mas temos esperança num futuro melhor”, afirma Mário Branquinho, um director-activista, como o seu festival, que acredita que a a humanidade vai encontrar uma saída para a crise climática.

 
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