Pedro Almodóvar... ainda nos lembramos dele assim?: vem aí a sua “mais completa retrospectiva”
O Batalha Centro de Cinema anuncia a “mais completa retrospectiva” em Portugal dedicada à obra do espanhol, de 21 de Março a 9 de Julho. Reencontro com a febre, a inconoclastia delirante, a ofensa.
O programa integral só será disponibilizado a 28 de Janeiro, mas o Batalha Centro de Cinema, no Porto, anuncia-a como a "mais completa retrospectiva" em Portugal dedicada à obra de Pedro Almodóvar: entre 21 de Março e 9 de Julho, percorrendo 45 anos de cinema e 23 longas-metragens, o público poderá (re)descobrir "todos os filmes de Almodóvar desde 1980, incluindo obras raramente exibidas como Labirinto de Paixões (1982), ao lado de uma selecção das suas curtas-metragens".
Começará com Tudo Sobre a Minha Mãe (1999), vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro e do prémio em Cannes para Melhor Realizador, e dois dias depois será exibido Saltos Altos (1991), ou seja, Marisa Paredes como protagonista na filmografia do realizador. É uma homenagem à actriz recentemente desaparecida e que talvez tenha sido o último ícone construído pelo cinema de Almodóvar, momento de apogeu mediático e popular de uma teatralidade e de uma reputação iconoclasta e ofensiva que não deixou os seus créditos por mãos alheias.
Almodóvar brandia evidentemente uma fixação warholiana — as "chicas Almodóvar", Carmen Maura, Chus Lampreave, Rossy de Palma, Bibiana Fernandez, Victoria Abril, entre outras, ficam para a história da produtora El Deseo e da mitologia madrilena dos an0s 80 como as "Warhol Superstars" para a Factory e a mitologia nova-iorquina dos anos 60/70 (Joe Dallesandro, Sylvia Miles, Edie Sedgwick, Candy Darling, Holly Woodlawn ou Jackie Curtis).
Saído do underground, evidentemente, o que não se despega ainda das suas quatro primeiras longas-metragens — Folle... folle... fólleme Tim! (1978), Labirinto de Paixões, Pepi, Luci, Bom y otras chicas del montón (1980) e Negros Hábitos (1983) —, começou a impor em 1984, com O Que Fiz Eu Para Merecer Isto?, filme com a extraordinária Chus Lampreave que tem argumentos para se posicionar como um dos seus títulos maiores, se não mesmo o maior, um diálogo estruturado com a convenção.
O cineasta que tem hoje 75 anos iniciou então não uma negação das origens mas um apuramento das formas, trocand0 a iconografia pelas personagens, o melodrama pelo conto ou pela fábula, serenando e sofisticando o trabalho com as cores primárias com as quais quis responder, "desde o ventre materno", ao negro que a sua mãe usou quase toda a vida; cores com as quais quis combater "a austeridade" que impregnou as suas origens na região da Mancha. Esse movimento é visível, aliás, à medida que se lê O Último Sonho, colectânea de textos publicada entre nós em 2023.
Será um ciclo para (re)descobrir então o Pedro Almodóvar que já esquecemos, o da febre, da iconoclastia, da ofensa, antes dos Óscares, dos Goyas, dos Césares ou do prémio honorário Donostia do Festival de San Sebastián, antes do cineasta "maduro". Será um ciclo para reactivar a memória de Matador (1986), quando os ecos da movida madrilena, que já iam na fase da internacionalização, apanhavam as movimentações urbanas de Lisboa que timidamente também faziam sair da casca a iconografia e o kitsch nacional, e assim deixávamos de ter medo do fado tal como os espanhóis mostravam de forma efusiva o seu flamenco; do febril A Lei do Desejo (1987), ou Almodóvar a empoleirar-se nos ramos de Douglas Sirk e John M. Stahl (já não nos lembrávamos de Antonio Banderas assim, já não nos lembrávamos de Pedro Almodóvar assim); de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), o filme em que o cineasta ameaçou fazer uma screwball comedy clássica e que colocou Hollywood atrás dele, primeiro para uma versão em inglês do filme, depois para um qualquer filme em inglês. O que ele só agora concretizou com as suas condições e no timing que considerou certo: O Quarto ao Lado.