Verificadores de factos contra-atacam: “Também é liberdade de expressão dizer porque é que algo não é verdade”
Numa carta aberta subscrita por mais de 70 organizações, rede de verificação de factos alerta que decisão de Zuckerberg pode causar “danos reais” em países “extremamente vulneráveis a desinformação”.
Uma rede internacional que congrega organizações de verificação de factos considera que a decisão da Meta de acabar com o programa de fact-checking nos Estados Unidos “é um retrocesso” e pode causar “danos reais em muitos lugares” caso venha a ser alargada a todo o mundo.
Numa carta aberta, a International Fact Checking Network (IFCN) rebate alguns dos argumentos que Mark Zuckerberg usou no vídeo em que anunciou o fim daquele programa e alerta para as potenciais consequências que uma decisão semelhante poderia ter “nos mais de 100 países” onde existem parcerias para a verificação de factos de publicações no Facebook, no Instagram e no Threads.
São países “muito diversos, em diferentes estádios de democracia e desenvolvimento”, e alguns “são extremamente vulneráveis a desinformação que origina instabilidade política, interferências eleitorais, violência de grupo e até genocídio”. A carta apela, por isso, a que a Meta reconsidere a decisão, argumentando até que “não há qualquer motivo para que as ‘notas da comunidade’ não possam coexistir com o programa de verificação de factos” actualmente existente.
As “notas da comunidade” são uma ferramenta usada no X, antigo Twitter, que possibilita aos utilizadores acrescentar contexto ou denunciar como falsas certas publicações. Os posts continuam disponíveis, acompanhados por essas notas, ao invés de serem removidos ou relegados para uma posição menos visível. A mesma ferramenta vai agora passar a ser usada pela Meta.
As 71 organizações que até ao momento subscreveram a carta, sediadas em países de todos os continentes (incluindo Portugal, com assinaturas do Observador e do Polígrafo), dizem “não acreditar” que as “notas da comunidade” “resultem numa experiência positiva para os utilizadores”. Citam investigação já feita à ferramenta no X para concluir que “muitas notas nunca são mostradas, porque dependem mais de um consenso político alargado do que de padrões de exactidão”.
Pelo contrário, argumentam, o actual programa de verificação de factos da Meta “ajudou a proteger milhões de utilizadores de boatos e teorias da conspiração” e constituiu “um passo significativo em frente no encorajamento da exactidão factual online”. E rebatem um dos argumentos de Zuckerberg, que disse querer “regressar às raízes em torno da liberdade de expressão”. Para a IFCN, “a liberdade de dizer porque é que algo não é verdade também é liberdade de expressão”.
No vídeo de terça-feira em que anunciou a decisão, o dono da Meta afirmou que agora “há demasiada censura” nas suas plataformas devido ao programa de verificação de factos e alegou que existem igualmente problemas de viés político em quem faz essa verificação. Na carta, a IFCN diz que “isto é falso” e que estão em vigor “padrões rigorosos” que, por exemplo, impedem os verificadores de estarem ligados a partidos ou candidatos políticos ou de apoiarem certas causas.
Por outro lado, rejeitam a acusação de censura, afirmando que “a Meta nunca deu aos fact-checkers a capacidade ou autoridade para remover conteúdos ou contas” e foi sempre “o pessoal da Meta a decidir se conteúdo considerado falso era despromovido ou etiquetado como tal”.