Parlamento recomenda ao Governo que não reconheça resultados de Moçambique

Proposta da Iniciativa Liberal contou com a abstenção de PSD, PS e CDS. O Presidente da República ainda não esclareceu se aceitará o convite para a tomada de posse de Daniel Chapo.

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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, Luis Montenegro, deverão decidir em conjunto como Portugal se fará representar na tomada de posse do presidente de Moçambique FILIPE AMORIM / LUSA
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O Parlamento aprovou esta sexta-feira uma resolução da Iniciativa Liberal que pede ao Governo que não reconheça os resultados das eleições gerais de Moçambique e outra do Chega que pede a "recontagem transparente" dos votos. Os projectos de resolução serão discutidos na especialidade e constituem apenas recomendações ao Governo, mas são mais um sinal de pressão para que o Estado português não valide os resultados das eleições de 9 de Outubro.

O projecto de resolução da Iniciativa Liberal (IL) foi aprovado com os votos favoráveis do Chega, IL, Bloco de Esquerda (BE) e Livre. PS, PSD e CDS-PP abstiveram-se e o PCP votou contra.

Para os liberais, as eleições ficaram "marcadas por suspeitas de irregularidades que colocam em causa a sua legitimidade e transparência, tendo-se seguido legítimos protestos pacíficos que foram alvo de crescente e violenta repressão pelas autoridades". Além disso, a IL está preocupada com a "intensificação alarmante da repressão política e da violência de Estado", afirmando que houve "dezenas de cidadãos que foram mortos, centenas ficaram feridos e milhares foram detidos arbitrariamente". Um "cenário alarmante" que seria legitimado pelo Governo português se forem reconhecidos os resultados eleitorais "fraudulentos".

Também o BE apresentou um projecto de resolução semelhante, mas este diploma foi chumbado com os votos contra do PSD, PCP e CDS-PP. Os bloquistas pediam que o Governo condenasse "todas as acções do Governo e das autoridades moçambicanas que violam os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e cidadãs daquele país".

Marcelo ainda não decidiu

Para já, a ida de Marcelo Rebelo de Sousa a Maputo, para a tomada de posse do novo presidente moçambicano, Daniel Chapo, continua em aberto. Esta quinta-feira à noite, a partir de Washington, o Presidente da República considerou "prematuro" anunciar uma decisão sobre como Portugal se fará representar na tomada de posse, no próximo dia 15 de Janeiro. A decisão deverá ser conhecida nos próximos dias, após uma "concertação de posições" entre a Presidência da República e o Governo.

Em causa não estarão preocupações em relação à falta de segurança causada pelos protestos que há meses ocupam as ruas, mas sim o peso institucional que a presença do Presidente da República daria ao reconhecimento da vitória de Daniel Chapo como vencedor das eleições presidenciais de Moçambique. Até agora, o Presidente da República ainda não felicitou oficialmente Chapo, mas disse em comunicado ter "tomado nota" dos resultados eleitorais. Caso Marcelo Rebelo de Sousa escolha não ir até à cerimónia de tomada de posse, a presença do Estado português poderá ser assegurada pelo embaixador português em Moçambique, António Costa Moura.

Esta sexta-feira, em entrevista à rádio TSF, Paulo Rangel, ministro dos Negócios Estrangeiros, notou que Marcelo Rebelo de Sousa "está sempre concertado com o Governo" e que "há uma concertação diária sobre estas questões que se vão levantando". "O Presidente da República deu um esclarecimento muito cabal, num momento oportuno será dada informação relevante sobre o momento da posse", disse o governante.

Marcelo Rebelo de Sousa regressa esta sexta-feira dos Estados Unidos, onde marcou presença nas cerimónias fúnebres do Presidente Jimmy Carter, e deverá falar com o primeiro-ministro para discutir a questão de Moçambique.

Esforços "discretos"

À TSF, o ministro dos Negócios Estrangeiros sublinhou também que o Governo "tem feito, de forma discreta, todos os esforços para que a situação em Moçambique possa retomar a normalidade tão rapidamente quanto possível". De acordo com o governante, o Governo tem ainda estado "em contacto estreito com os portugueses através do consulado e da embaixada". Paulo Rangel apelou ainda a "uma forte reconciliação nacional" e considera que "as autoridades ainda em funções e as novas deviam promover um diálogo inclusivo com todos os protagonistas que têm sido relevantes nestes meses" pela "cessação de toda a violência e o assegurar, pelas autoridades, do direito à manifestação".

Ao início da noite desta quinta-feira, o gabinete do primeiro-ministro divulgou em comunicado que Luís Montenegro falou ao telefone com o Presidente eleito de Moçambique, Daniel Chapo, e lhe transmitiu a preocupação do Governo português com "o clima de violência e tensão" no país, reiterando a disponibilidade do seu executivo para trabalhar com "as autoridades e as restantes forças políticas". O comunicado refere ainda que, no telefonema, Montenegro lamentou profundamente as perdas de vidas humanas.

As eleições gerais de 9 de Outubro juntaram as eleições para a Assembleia da República de Moçambique, as assembleias e governadores provinciais e para o cargo de Presidente da República. O processo foi criticado por observadores internacionais, que apontaram várias irregularidades, e gerou violência e protestos nas ruas.

A 23 de Dezembro, o Conselho Constitucional, última instância de recurso em contenciosos eleitorais, proclamou Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder), como vencedor da eleição presidencial, com 65,17% dos votos, bem como a vitória da Frelimo, que manteve a maioria parlamentar.

Os confrontos entre a polícia os manifestantes já provocaram quase 300 mortos e mais de 500 pessoas foram baleadas desde 21 de Outubro, segundo organizações da sociedade civil que acompanham o processo.