Imigrantes põem cães fora dos jardins e obrigam gays a esconderem-se? É mentira
Pedro Frazão, do Chega, disse que os cães estavam proibidos nos jardins por causa dos imigrantes e que judeus e gays foram aconselhados a esconder quem eram em bairros árabes alemães. Não é verdade.
A frase
"Então vimos uma notícia de que agora, nos espaços públicos, iam deixar de permitir os cães porque incomodavam as comunidades imigrantes. E, não bastando isso, há agora uma polícia, uma chefe da polícia, em Berlim que dizem que os gays e os judeus devem esconder a sua identidade para não ofender e para não incomodar os bairros árabes.”
— Pedro Frazão, vice-presidente do Chega e deputado na Assembleia da República
O contexto
Pedro Frazão, vice-presidente do Chega e deputado na Assembleia da República, publicou um vídeo a 20 de Novembro onde afirma que os imigrantes devem ser enviados “para a sua terra se não quiserem viver de acordo com os princípios e com os valores europeus”.
O deputado, que também é formado em medicina veterinária, surge no vídeo, com um minuto e 16 segundos a ecoar afirmações contra a comunidade imigrante, uma das quais já tinha sido proferida por André Ventura, líder do partido.
“Desculpem lá, não sei se sou eu que estou maluco ou se estou a ver tudo ao contrário”, arranca Pedro Frazão nas imagens, apelando mais tarde a que se coloque “uma pedra em cima disto” porque “isto é uma loucura e está a tomar proporções excepcionalmente inadmissíveis”.
Só que todos os argumentos que Pedro Frazão apresentou contra a presença da comunidade imigrante baseiam-se em informações falsas e distorcidas. E nenhuma delas diz respeito à realidade portuguesa.
Os factos
A notícia a que Pedro Frazão se refere no caso dos cães alegadamente proibidos de visitar espaços público por causa da comunidade imigrante foi, na verdade, publicada pelo jornal controlado pelo próprio partido Chega, o Folha Nacional. O título do artigo, cujo cabeçalho surge no vídeo que o deputado colocou no TikTok, distorce os factos por detrás daquelas informações. E o deputado que o repetiu nas redes sociais ocultou que o caso reportaria ao País de Gales.
Na verdade, não há qualquer medida em vigor no País de Gales que proíba os cães de visitar espaços públicos. A informação falsa teve origem numa sugestão que surgiu a 6 de Novembro num relatório redigido pelo Climate Cymru BAME, um grupo de acção climática, que veio a ser publicado no site do Governo galês.
Essa sugestão nada tem a ver com a comunidade imigrante: o grupo limitou-se a registar “conversas e testemunhos de pessoas oriundas de minorias étnicas do País de Gales” sobre “as suas experiências de racismo” e “as suas ideias e ambições em matéria de alterações climáticas e questões ambientais”.
Os autores concluíram que “a compreensão das questões relacionadas com o ambiente e as alterações climáticas não varia consoante a etnia”, diz o relatório, acrescentando que “a falta de utilização dos espaços verdes no País de Gales por pessoas/comunidades de minorias étnicas se deve principalmente à sua falta de diversificação”.
“Os obstáculos que as pessoas de minorias étnicas enfrentam quando visitam os espaços verdes foram também salientados, sendo os mais proeminentes os compromissos profissionais, escolares e familiares. Foi também sublinhada a importância do cultivo de alimentos (fruta e legumes) pelas comunidades étnicas e a necessidade de uma maior representação das comunidades étnicas minoritárias no sector ambiental”, indica o documento.
É no seguimento dessa informação que uma das recomendações do grupo de acção climática é “criar zonas de agricultura urbana (loteamentos) e zonas sem cães nos espaços verdes locais”, mas em momento nenhum se associa essa sugestão a um medo destas comunidades por esses animais. Pelo contrário, as pessoas entrevistadas reconhecem que, “quando cuidamos do que nos rodeia, há inúmeros benefícios para a saúde e o ambiente, tanto para os seres humanos como para os animais e as formas de vida aquática”.
Também não é verdade que a chefia de polícia alemã tenha aconselhado homossexuais e judeus a esconderem a sua identidade em bairros frequentados pela comunidade árabe. Esse é, de facto, o título que surge numa notícia no The Telegrah, apontada no vídeo de Pedro Frazão. Mas as declarações citadas no artigo não mencionam, em momento algum, que as pessoas homossexuais ou judias devem esconder a sua identidade.
Em causa estão as polémicas declarações de Barbara Slowik, a chefe de polícia de Berlim, ao jornal alemão Berliner Zeitung. Numa entrevista, a agente da polícia foi questionada sobre “se existem zonas interditas” na Alemanha, ao que Barbara Slowik respondeu que “basicamente, não”.
“No entanto, há áreas — e temos de ser honestos nesta altura — eu aconselharia as pessoas que usam um kippah ou são abertamente gays ou lésbicas, a estarem mais atentas. De qualquer modo, em muitas metrópoles, é preciso estar vigilante em certos locais públicos para autoprotecção contra qualquer tipo de crime”, avançou.
Barbara Slowik disse que não pretendia “difamar” a comunidade árabe, até porque “os crimes violentos contra pessoas judias são, felizmente, baixos”. Mas “cada acto é um acto” e “infelizmente, há bairros em Berlim com uma maioria de residentes de origem árabe onde se observa simpatia aberta por organizações terroristas e um anti-semitismo muito evidente”. Ainda assim, em momento nenhum na sua entrevista a chefe da polícia de Berlim aconselhou directamente judeus ou gays a “esconderem a sua identidade” — apenas a serem “mais cautelosas” em algumas zonas da cidade.
O veredicto
Pedro Frazão estava mesmo a ver “tudo ao contrário”: ambas as afirmações proferidas por ele num vídeo publicado no TikTik no fim de Novembro são falsas. Não há nenhuma nova medida a impedir os cães de visitar espaços verdes por causa de um medo manifestado pela comunidade imigrante — nem em Portugal, nem no País de Gales, onde está a origem desta informação falsa.
Em causa está uma sugestão deixada por um grupo de acção climática ao Governo do País de Gales para criar espaços verdes sem cães, mas essa medida nada tem a ver com um medo das minorias étnicas por esses animais: está antes relacionada com a proposta dos entrevistados para criarem espaços de cultivo.
Também é falso que a polícia de Berlim tenha apelado à comunidade gay e judia para esconder as suas características pessoais quando visitam bairros árabes. Barbara Slowik pediu vigilância e cautela nessas zonas da capital alemã, mas em momento nenhum apela aos cidadãos que reprimam as suas identidades nesses locais da cidade.