Alteração às regras do aborto chumbadas. PSD rejeita ir além do referendo

No debate, PS pediu ao PSD que se “reencontre”, lembrando os sociais-democratas que concordam com o alargamento do prazo legal. PSD contra alterações à lei que resultou do referendo de 2007.

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Todas as propostas em discussão sobre a IVG foram chumbadas esta sexta-feira no Parlamento Daniel Rocha
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O debate sobre a alteração das regras para a interrupção voluntária da gravidez dividiu, como era esperado, o plenário da Assembleia da República, com a esquerda a defender o alargamento do prazo, o fim do período de reflexão de três dias e alterações ao regime da objecção de consciência, e a direita a querer impor mais acompanhamento à mulher e direitos para os objectores de consciência, caso do CDS-PP e Chega, ou a recusar mudar uma vírgula na lei, como o PSD. Os socialistas, que agendaram o debate, foram ainda atacados por se lembrarem da urgência do tema agora mas não terem feito nada durante os últimos oito anos no Governo.

A dissonância do PSD em relação a todos os diplomas que propunham qualquer alteração ao actual regime da IVG levou ao chumbo dos sete projectos de lei e de três projectos de resolução que estiveram em discussão.

"Não pedimos que se encontrem com o PS, pedimos que se reencontrem convosco", apelara, logo no início do debate, a socialista Isabel Moreira ao PSD, partido que normalmente tem deputados que acompanham o PS em temas de liberdades individuais. A deputada defendeu haver "razões para aprimorar a lei" de 2007. Porque há uma "discriminação sócio-territorial" que impede, por exemplo, mulheres dos Açores, Alentejo e regiões do interior de acederem à IVG; porque o prazo de 10 semanas "é o mais restritivo da Europa e desconsidera as recomendações da OMS"; e porque há um "paternalismo" excessivo na imposição do prazo de reflexão de três dias e da presença de dois médicos para a certificação do processo.

E apelou constantemente aos sociais-democratas: "Olhando para os vossos congéneres europeus, ninguém percebe o que leva o PSD, institucionalmente falando - porque sabemos a posição de Leonor Beleza, Teresa Leal Coelho, Paula Teixeira da Cruz, Rui Rio e até de Passos Coelho até certa data, e muitas pessoas do PSD -, em insistir numa história de décadas sempre contra a autonomia das mulheres. Como é possível um partido social-democrata, personalista, ser contra a configuração de um direito tal como foi legalizado em França por um governo de centro-direita?", questionou Isabel Moreira. "Onde está a extrema-direita está o ataque aos direitos sexuais e reprodutivos", vincou, lembrando que na Europa os únicos países que não permitem o aborto são a Hungria e a Polónia.

Já no encerramento, Alexandra Leitão defendeu que "a objecção de consciência não pode comprometer o acesso das mulheres à IVG", como acontece nos Açores (em quase 90% dos casos de mulheres que se deslocaram aos serviços de saúde) e no Alentejo (em torno dos 75%). Sobre o prazo das dez semanas, as mulheres fazem uma "corrida contra o tempo", disse, alegando que a OMS aponta para um mínimo de 12 semanas. O PS também quer que as jovens de 16 anos, que até podem casar, realçou a deputada, tenham poder de decisão para fazer aborto.

A líder parlamentar socialista ainda apelidou o PSD de "hipócrita" por dizer ser a favor da interrupção voluntária da gravidez, "mas depois chumba as propostas que efectivam esse direito".

O PSD limitou-se a falar uma única vez durante as duas horas e meia de debate, pela voz da vice-presidente da bancada, Andreia Neto, para escorar o seu voto contra em torno do argumento de que as alterações ao regime da IVG contrariam o espírito da pronúncia dos portugueses em 2007, quando responderam à pergunta do referendo. Que Andreia Neto fez questão de ler: "Concorda com a despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez, se realizada, por opção da mulher nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

O aborto às dez semanas "é um direito amplamente estabilizado na sociedade portuguesa" depois de o referendo de 2007 ter tido um "profundo, amplo, denso e esclarecido debate", defendeu Andreia Neto. "O PSD firma a sua posição em princípios inabaláveis: os portugueses são soberanos e a resposta já foi dada pelos portugueses", salientou. "Os partidos autovincularam-se ao resultado [do referendo de 2007 que determinou o sim]. (...) A legislação em vigor é resultado da pergunta soberana que vincula esta Assembleia da República de forma incondicional. Respeitemo-la", defendeu.

Lembrou ainda que Montenegro prometeu na campanha eleitoral que "não tencionava proceder a qualquer alteração legislativa". "Palavra dada é mesmo palavra honrada. Que os direitos que os portugueses consagraram não sejam postos em causa", pediu.

Os sociais-democratas permaneceram calados no resto do debate, preferindo distribuir o seu tempo de intervenção pela IL e pelo Chega.

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