A trasladação de Eça de Queiroz para o Panteão Nacional foi apresentada como uma homenagem histórica, mas não é difícil perceber que o evento foi cuidadosamente embalado como uma estratégia de marketing turístico. Portugal, sedento por atenção internacional e por um sentido de identidade que muitas vezes oscila entre o passado glorioso e o presente negligenciado, transformou um dos seus maiores escritores num produto para consumo turístico.
A pergunta que fica é: o que resta de genuíno numa celebração que parece mais interessada em vender Eça do que em valorizá-lo?
Ao colocar Eça no Panteão Nacional, Portugal não afirma, apenas, que o considera um símbolo, mas também o coloca numa vitrina cultural. Essa vitrina não está voltada para os leitores portugueses, mas para o mercado global. É um evento que gera manchetes, cliques e publicações nas redes sociais – os novos indicadores de sucesso.
Eça de Queiroz, que em vida se dedicou a desmascarar as hipocrisias da sociedade portuguesa, foi transformado num produto de marketing turístico. É um produto em vez de um pensamento, um rosto que se encaixa perfeitamente na narrativa de um Portugal literário, romântico e cheio de "génio". O problema? Este “produto” é vendido num país que pouco lê e menos ainda conhece o autor que agora glorifica.
Eventos como este são exemplos claros de como o marketing turístico consegue transformar figuras históricas em mercadorias. Eça tornou-se num símbolo fácil de consumir: não é preciso ler Os Maias ou entender a crítica mordaz em A Relíquia para apreciar a ideia de que "Portugal valoriza os seus escritores". Mas essa valorização é estética, não substancial.
O Panteão é um destino popular entre visitantes, e a presença de Eça adiciona mais um atrativo para guias turísticos e agências de viagens. É quase como se o autor estivesse a ser recrutado, postumamente, para o papel de embaixador do turismo literário. O que isso significa para a sua obra? Pouco. O turista que tira uma foto do túmulo de Eça provavelmente nunca leu uma única página de O Primo Basílio, e o Estado português parece confortável com isso. Afinal, o que importa é o impacto visual, o "valor associado" ao monumento, e não a profundidade do pensamento do autor.
Ao usar Eça como um produto de marketing, Portugal corre o risco de desvirtuar o que ele representa. Não basta colocá-lo no Panteão e esperar que isso signifique alguma coisa. É preciso criar contextos onde a obra de Eça seja debatida, onde as suas mensagens sejam confrontadas com a realidade atual, onde os leitores sejam incentivados a mergulhar no universo que ele criou. Isso, porém, dá mais trabalho e gera menos manchetes do que uma cerimónia solene com discursos vazios.
O mais irónico de tudo é que Eça, um crítico feroz do materialismo e das aparências, tornou-se um produto rentável no mercado turístico. Ao colocá-lo no Panteão, as instituições culturais e políticas portuguesas adicionaram uma camada de valor simbólico à marca Portugal. Mas este valor é, em grande parte, fictício: é o tipo de valor que aparece em campanhas publicitárias, não no quotidiano de uma sociedade que realmente compreenda e celebre o autor.
Esta cerimónia, por mais pomposa que seja, é essencialmente um exercício de relações públicas. É marketing, puro e simples, embrulhado numa camada fina de respeito institucional.
Eça de Queiroz, mais que pertencer ao Panteão Nacional, pertence às páginas dos livros, às salas de aula, aos cafés onde as suas ideias ainda podem ser debatidas. Reduzi-lo a um evento de marketing é uma traição ao espírito crítico e provocador que definiu a sua obra. Se quisermos realmente honrá-lo, devemos abandonar a obsessão por espetáculos e focarmo-nos no que importa: a sua literatura.
Mas, infelizmente, parece que em Portugal o mármore vale mais do que as palavras. E, no final, Eça tornou-se exatamente aquilo que ele tanto criticou: um ícone vazio, um produto, uma fachada que esconde a falta de conteúdo.