Truss ameaça processar Starmer se este continuar a dizer que ela “colapsou a economia” britânica
Antiga primeira-ministra conservadora enviou carta ao líder trabalhista a denunciar declarações “falsas” sobre o seu plano de 2022, que provocou queda abrupta da libra e intervenção do banco central.
A antiga primeira-ministra conservadora britânica Liz Truss, que detém o recorde da governação mais curta de sempre do Reino Unido (49 dias) e que falhou a reeleição para o Parlamento nas últimas legislativas, ameaçou processar judicialmente o actual chefe do Governo, o trabalhista Keir Starmer, se este continuar a dizer que o plano económico que ela tentou implementar em 2022 “colapsou a economia” do país.
Numa carta enviada na quinta-feira ao primeiro-ministro, os advogados de Truss dizem as tomadas de posição de Starmer sobre o assunto são “extremamente prejudiciais”, “grosseiramente difamatórias” e “feitas de forma maliciosa”.
Citados pela BBC, informam que pretendem alcançar um acordo “amigável”, baseado nos “níveis básicos de civilidade”, para que o líder do Partido Trabalhista “cesse a repetição” de algo que dizem ser “claramente declarações factualmente incorrectas” sobre a sua cliente.
Em resposta, um porta-voz de Starmer, citado pelo Guardian, garante que o primeiro-ministro não vai deixar de se referir ao impacto do plano económico de Truss no país nos termos em que tem feito, acrescentando que “perguntando às pessoas em todo o país” quais foram os efeitos desse mesmo plano “nas suas hipotecas e na inflação”, as “respostas são semelhantes”.
Conhecido como “mini-orçamento” e apresentado em plena crise energética e inflacionária no Reino Unido, o plano de Liz Truss propunha uma redução significativa nas despesas do Estado, incentivos ao investimento e cortes fiscais a rondar os 45 mil milhões de libras, principalmente para as empresas e para os mais ricos.
Mas foi muito mal recebido pelos mercados financeiros. O valor da libra esterlina caiu a pique, para mínimos históricos, houve uma escalada das taxas de juro da dívida e, entre críticas do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco de Inglaterra viu-se obrigado a intervir, lançando estímulos monetários destinados a estabilizar os mercados.
Truss respondeu ao fracasso da sua proposta política mais emblemática recuando em algumas das medidas e demitindo o seu ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng. Mas quando as críticas se estenderam a muitos dos seus colegas e aliados dentro do Partido Conservador e a sua credibilidade interna e externa colapsou, não teve outra possibilidade senão afastar-se, menos de dois meses depois de ter sucedido a Boris Johnson.
Deriva e não-eleição
Perante as críticas do Labour e dos outros partidos da oposição, Rishi Sunak, o conservador que substituiu Truss na chefia do Governo, em Outubro de 2022, e que já tinha antecipado a catástrofe do seu “mini-orçamento”, descredibilizando a “economia de conto de fadas” da antecessora, assumiu várias vezes os “erros” cometidos pelo executivo anterior.
Desde essa altura, Liz Truss, que chegou a ser militante dos Liberais Democratas e que fez campanha pela saída do Reino Unido da União Europeia, tem procurado ressuscitar a sua reputação política, assumindo um discurso próximo da direita radical e populista europeia e americana e rejeitando responsabilidades pela resposta assustada dos mercados ao seu programa.
Dizendo-se vítima do “deep state” – expressões usadas por Donald Trump, de quem é uma adepta cada vez mais convicta – e das elites económica e política britânicas e fazendo intervenções exaltadas contra a “cultura woke”, os “burocratas”, a “ideologia de género” e a luta contra as alterações climáticas, Truss escreveu um livro a assegurar que restam apenas “dez anos para salvar o Ocidente” e criou a sua própria facção neoliberal dentro do Partido Conservador (ConPop).
O primeiro teste eleitoral nesta sua nova pele foi, no entanto, um tremendo fracasso. Contra todas as expectativas, mesmo tendo em conta o apagão dos tories nas eleições legislativas realizadas em Julho do ano passado, a antiga primeira-ministra falhou a eleição para a Câmara dos Comuns, perdendo o lugar de South West Norfolk para o candidato trabalhista, Terry Jermy, e ficando fora do Parlamento pela primeira vez desde 2010.
Não obstante, Liz Truss não parece estar interessada em fazer marcha-atrás. Num vídeo publicado na quinta-feira na rede social X (antigo Twitter), insistiu que foi “prejudicada pelo establishment económico” e dos media, disse que o Banco de Inglaterra revelou “ignorância pelo básico da economia” na resposta ao seu “mini-orçamento” e acusou Rachel Reeves, actual ministra das Finanças, de “estar a empurrar o país para a beira da crise económica”.