A vida estúpida de Philomena Cunk
Cunk on Life é um novo especial cómico da Netflix centrado em Philomena Cunk, a apresentadora de falsos documentários a quem é dada vida pela britânica Diane Morgan.
Há dois anos, Cunk on Earth tornou-se um fenómeno na Netflix. Era uma falsa série documental sobre as grandes questões do mundo, centrada em Philomena Cunk. Cunk, que nasceu em 2013 no programa Weekly Wipe, de Charlie Brooker, o criador de Black Mirror, é uma personagem interpretada por Diane Morgan. Pouco dada à inteligência, não sabe nada de nada, percebe mal conceitos e nomes, não pesquisa e desarma com frequência os especialistas com quem fala como entrevistadora.
É alguém que a própria descreve, numa entrevista recente ao Vulture, site de cultura da New York Magazine, como uma espécie de "Mr. Bean", "sem emoções próprias", que ao mesmo tempo é um exagero da sua própria personalidade, caso "não tivesse quaisquer aptidões sociais" nem obrigação de ser polida e educada.
A personagem voltou agora em Cunk on Life, um especial de pouco mais de uma hora co-produzido pela BBC Two e a Netflix que foi lançado no penúltimo dia do ano. Apesar da mais curta duração, é em muitas partes mais ambiciosa, abordando questões ainda mais importantes sobre Deus, o mundo e a existência humana de forma igualmente estúpida e ao mesmo tempo elaborada.
Mantém-se a base de tudo, as entrevistas com especialistas com perguntas estapafúrdias que, mesmo quando são profundas, têm outro significado. Morgan é, pela primeira vez, creditada como argumentista, algo que explica que não está bem relacionado com uma mudança na mecânica da produção, mas antes com terem passado a considerar o trabalho de improvisação nessas partes como escrita.
Ao autor new age Rupert Sheldrake, pergunta se "Deus tem um irmão chamado Simon", algo que, tal como a existência de Deus, não pode ser provado, e poderá ser verdade, sugere ela, e esse Simon poderá ter criado o Universo. À professora de arte italiana Alison Wright pergunta se, quando pintou o tecto da Capela Sistina, Miguel Ângelo começou no chão e depois virou o edifício ao contrário, usou um pincel muito longo ou tinha braços muito compridos? Mesmo que algumas perguntas possam ser previsíveis, o importante é a reacção das pessoas reais e como agem perante o absurdo, a ignorância, a inconveniência, a estupidez e a ingenuidade da personagem.
Está dividido em capítulos sobre a criação, que abrange o Velho Testamento, "a primeira entrada no Universo Cinematográfico Cristão" – "Jesus não aparece neste", comenta, é maioritariamente sobre o "seu pai mal-humorado", "um homem tão misterioso que só o conhecemos pelo nome artístico, Deus", o pecado e a virtude, que vai de Adão e Eva a Las Vegas, o que temos dentro e fora de nós, que passa por Charles Darwin, entre outros.
Pelo meio, há viagens pela meditação, que começam com os Beatles na Índia e acabam com a voz interior de Cunk a ser alvejada, uma parte de um pretenso conteúdo patrocinado sobre um serviço de streaming que apela a pessoas que estão prestes a atirar-se de edifícios, incluindo crianças, com um segmento com fantoches tipo Marretas ou Rua Sésamo, e, claro, referências ao "hino tecno belga" Pump up the jam, de Technotronic, algo recorrente na série anterior.
Na já mencionada entrevista, é perguntado a Morgan se esse tal segmento do streaming seria uma forma de Brooker abordar o facto de o "entretenimento estúpido ser a única coisa que impede as pessoas de repararem no quão deprimente é o mundo". Ela responde que acha que ele "só está a tentar fazer as pessoas a rir". "Não acho que haja um propósito. Ninguém vai aprender nada com este programa. É só para te afastar da miséria infindável por três quartos de hora". Resulta.