Portugal está multando em até 700 euros turistas que ficam no país além do previsto

Há relatos de brasileiros sendo multados por agentes de imigração na hora de retornarem ao Brasil, alguns avisados de que estão proibidos de retornar a Portugal. Advogados contestam cobranças.

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Brasileiros estão sendo multados pelos agentes de imigração nos aeroportos de Portugal na hora de retornam ao Brasil Nuno Ferreira Santos
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O Governo português está apertando o cerco contra estrangeiros que permanecem em território luso além do prazo permitido em lei para turistas — de 90 dias, renováveis por mais 90. São cada vez mais frequentes os relatos de pessoas que, ao deixarem Portugal para retornar ao Brasil, têm sido multadas em até 700 euros (R$ 4,2 mil) pelos agentes de imigração. “Tenho recebido várias queixas de clientes sobre essas multas, o que vejo como irregulares”, disse o advogado Célio Sauer, especializado em imigração.

O PÚBLICO Brasil apurou com fonte inteirada do assunto que, da parte do Governo, nada mudou no tratamento dos turistas pelos agentes de imigração que trabalham nos aeroportos do país. “Tudo segue como o praticado na administração anterior”, assinalou, sob a condição de anonimato. Procurado, o Ministério da Administração Interna (MAI), ao qual a Polícia de Segurança Pública (PSP), que atua na área de imigração dos aeroportos, recomendou questionar a Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA). Procurados, nem a PSP nem a AIMA responderam aos e-mails.

Segundo Sauer, todo o processo de cobrança dessas multas está errado. “Primeiro: há um decreto — 41A, de 28 de junho de 2024 —, com base na Lei de Estrangeiros, garantindo autorização de permanência em Portugal até 30 de junho de 2025. Esse decreto renovou uma decisão tomada em meio à pandemia da covid-19, e vem sendo atualizado periodicamente”, explicou. “Segundo: o que está sendo entregue para as pessoas pagarem é um papel apenas com o valor cobrado, sem qualquer identificação. Não há o nome da pessoa, nem o número do documento, nem a razão pela qual ela está sendo multada. Portanto, esse documento não tem validade administrativa nem jurídica”, acrescentou.

O advogado ressaltou, ainda, que, para algumas pessoas, os agentes de imigração estão dizendo que elas estão proibidas de retornarem à Portugal. “Isso é, no mínimo, um absurdo, uma intimidação, pois, de novo, não há irregularidade na condição de permanência no país, pois um decreto do Governo abre exceção. Se realmente houvesse irregularidade, a AIMA teria de cobrar tal multa daqueles que estão em processo de regularização da autorização de residência. É a mesma situação”, disse.

“Há o caso de um cliente que a mãe, brasileira, deu entrada na imigração portuguesa em março deste ano e retornou para o Brasil em agosto. A senhora foi multada em 700 euros”, contou Sauer. Pelo Artigo 192 da Lei de Estrangeiros, aqueles que ficarem em Portugal por um prazo além do permitido devem pagar “de 80 a 160 euros se o período de permanência não exceder 30 dias; de 160 a 320 euros, se o período de permanência for superior a 30 dias, mas não exceder 90 dias; de 320 a 500 euros, se o período de permanência for superior a 90 dias, mas não exceder 180 dias; e de 500 a 700 euros, se o período de permanência for superior a 180 dias”.

Para o advogado, tal cobrança só seria permitida se não houvesse um decreto governamental autorizando a permanência de estrangeiros no país além do permitido. “A situação é tão absurda, que as pessoas não podem nem contestar a multa, porque não tem um documento com as identificações dela, o que está previsto na legislação”, assinalou. Diante disso, ele tem recomendado aos brasileiros que recebem as multas que não paguem nada. “O governo de Portugal não pode impedir uma pessoa de retornar para seu país de origem”, frisou.

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Para advogados especialistas em imigração, a AIMA não cumpre o que manda a lei ao impedir a extensão do prazo de permanência de turistas em Portugal Nuno Ferreira Santos

Equívocos

Na opinião do advogado Fábio Pimentel, do escritório CPPB Law, há uma série de equívocos na cobrança dessas multas, ainda que o Governo tenha o direito de impô-las. “A administração pública deve sancionar a conduta irregular, mas, para isso, precisa identificar, individualizar quem está sendo multado. Isso implica dizer que é obrigatório identificar a pessoa, com nome e documento, apontar o que está sendo cobrado, as razões pela punição. Sem isso, não existe multa. Um papel com apenas um valor não tem validade perante a lei”, reforçou. “Como a pessoa pode recorrer da cobrança se não tem nada no nome dela?”, indagou.

Ele alertou que, ao agir dessa forma, os agentes de imigração estão impondo sérios custos aos estrangeiros, não apenas pelas multas, mas também pelas restrições de circulação que as pessoas podem ter. “Como Portugal faz parte do Espaço Schengen, a multa pode ser inserida do sistema geral, assim como a tal proibição de retorno ao país. Quando alguém desembarcar na Alemanha ou na França, por exemplo, pode ter a entrada recusada. Isso é muito sério”, afirmou.

Pimentel destacou outra incongruência por parte do Governo português. “Há a possibilidade de brasileiros e outros estrangeiros permanecerem por até 180 dias em Portugal, desde que, completados 90 dias no país, se peça à agência de imigração a extensão do prazo. O problema é que ninguém consegue fazer esse pedido, pois simplesmente a AIMA não permite, como o antecessor dela, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), não estava viabilizando”, disse. “Portanto, fica muito difícil acusar as pessoas de irregularidades”, emendou.

Para tentar contornar esses problemas, o advogado aconselha aos que desejam ficar mais de 90 dias em Portugal, que, antes desse prazo, encaminhem um e-mail para a AIMA pedindo mais 90 dias de permanência do país. “Essa mensagem poderá ser usada como prova de que a pessoa agiu corretamente e quem não cumpriu o que diz a lei foi a agência de imigração”, ensinou. Ele indicou, também, que todos os que se sentirem lesados por causa de cobranças indevidas por parte do Estado português que contratem um profissional especializado para entrar com um recurso administrativo ou mesmo uma impugnação judicial.

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