Taça da Liga: bolas “self-service” para evitar interacções com apanha-bolas
Há apanha-bolas que são o sonho dos treinadores, contribuindo para golos. Outros prestam-se à falta de fair-play, escondendo as bolas para perderem tempo. Agora, já não terão de escolher.
Em Março de 2023, Sérgio Conceição disse o seguinte: “Os nossos apanha-bolas não podem estar sentados aos 85 minutos e serem os nossos jogadores a irem buscar a bola”. E foi mais longe: “Se tiver de ser eu a tratar disso, farei isso no futuro”.
Cerca de dois anos depois, a ira do técnico português pode ganhar nova forma. Sim, os apanha-bolas podem – e devem – estar sentados. E sim, têm de ser os jogadores a irem buscar as bolas. Ao contrário do que quer Conceição, os meninos e meninas responsáveis pela reposição de bolas devem, agora, ter um papel nulo no decurso do jogo.
A Liga anunciou que na final four da Taça da Liga, que arranca nesta terça-feira, já vai ser testado um novo sistema de reposição de bolas, que pressupõe que os jogadores vão recolher uma bola num dos cones colocados junto ao relvado.
Este sistema, com apanha-bolas a "alimentarem" apenas os cones de depósito de bolas, já é utilizado noutros campeonatos, nomeadamente a Premier League e, para azar de Sérgio Conceição, a Série A.
Evitar conflitos
Porquê este sistema? A Liga não justificou, mas presume-se que o motivo seja o mesmo que motivou a sua aplicação em Inglaterra e demais campeonatos europeus. E há justificações bastante lógicas.
A mais evidente é acabar com o benefício de quem joga em casa, um tema já explicado neste texto do PÚBLICO. Porquê? Porque o apanha-bolas, com a sua equipa a perder, vai ser rápido e sagaz a repor o esférico. Esta era, de resto, a ideia de Conceição e de outros treinadores como José Mourinho e Pep Guardiola, que pretendiam ter apanha-bolas concentrados e com boa leitura de jogo.
Porém, com a sua equipa ganhar, o apanha-bolas vai retardar essa reposição o máximo que conseguir. E isso não só criava injustiça, como provocava conflitos entre os jogadores e os apanha-bolas – o caso mais célebre envolveu Eden Hazard, que chegou a pontapear um apanha-bolas e foi expulso de um jogo da Liga inglesa.
Isto também permite ao árbitro ter melhor controlo do problema, já que pouco podia fazer com a demora do apanha-bolas, mas pode, agora, agir em conformidade com a demora de um jogador a ir ao cone recolher a bola.
No fundo, a culpa do retardar do recomeço do jogo passa a ser apenas do jogador e a não ser repartida com um outro elemento externo e inimputável no plano disciplinar.
Incitação à malandrice
O tema da influência dos apanha-bolas não é novo. Pep Guardiola já chegou a gravar um vídeo com uma mensagem para os apanha-bolas antes de um jogo da Liga dos Campeões. E também já foi visto a ir ter com um apanha-bolas e dar-lhe instruções ao ouvido, com o braço por cima do ombro do rapaz.
Também José Mourinho já colocou um apanha-bolas na berlinda, quando um golo marcado fruto da rápida reposição de uma bola justificou um abraço ao jovem e até um convite para almoçar com o plantel do Tottenham.
“Adoro apanha-bolas inteligentes. Eu fui um apanha-bolas brilhante quando era miúdo. E este miúdo hoje foi brilhante também. Ele leu o jogo, entendeu o jogo e fez uma assistência importante. Está a viver o jogo e a jogá-lo muito bem”, apontou o português.
No fundo, a missão de apanha-bolas pode transformar uma criança no sonho de qualquer treinador, contribuindo para um golo da sua equipa. Ou pode transformá-la num exemplo deplorável de alguém que, ainda criança, se presta à malandrice e falta de fair-play – como reconheceu o treinador Álvaro Magalhães, em 2017. “Sobretudo na parte final dos jogos, se estava a ganhar, dizia muitas vezes ao meu adjunto para dizer aos miúdos para terem calma na reposição da bola em jogo", apontou.
No fim de contas, continuarão a ser crianças que podem estar junto aos craques, numa tarefa pro bono. Mas, a partir de agora, já não terão de escolher entre serem justas ou não – basta colocarem as bolas nos cones e assistirem ao jogo.