A importância do sono é inegável, tendo um impacto muito marcado no sistema imunitário, no restabelecimento de energia e vitalidade, assim como na consolidação da memória. De forma a otimizá-lo, é importante que se analisem os hábitos/comportamentos que a influenciam — a famosa higiene do sono. A saúde mental e o estado emocional diário têm, também, um enorme e reconhecido impacto, sendo que, em quadros de má qualidade de sono, a avaliação de todos estes parâmetros é primordial.
A forma como comemos, assim como a ingestão de certos nutrientes, consegue influenciar a qualidade (e quantidade) de sono. O triptofano, que é um aminoácido presente numa vasta quantidade de alimentos, parece ser um desses nutrientes. E o seu efeito relaciona-se com a sua capacidade de chegar ao cérebro e de se transformar num neurotransmissor denominado serotonina, que, por sua vez, se poderá transformar em melatonina — a famosa hormona reguladora do sono. Para além de alguns alimentos serem ricos em triptofano, eles podem ainda conter uma quantidade relevante da própria serotonina ou mesmo de melatonina. As ginjas são um bom exemplo, com alguns estudos a mostrar que o consumo de uma boa porção poderá influenciar positivamente o sono.
Ora, é precisamente neste ponto — a análise de alimentos ricos nestes três compostos — que é necessário um grande espírito crítico perante o que, à partida, possa parecer plausível. Encontram-se vários artigos online (pouco rigorosos do ponto de vista científico) a sugerir que alimentos como banana ou ananás ajudam na melhoria do sono, por serem ricos em triptofano, quando, na realidade, a quantidade é baixíssima nas doses habituais, e dificilmente terá algum impacto. Já certas fontes proteicas, como laticínios, ovos ou frango, têm um teor mais elevado.
O problema é que o triptofano compete com outros aminoácidos para chegar ao cérebro e exercer este efeito positivo no sono, e estas fontes proteicas são também muito ricas nesses aminoácidos competidores. E daqui surgiu a teoria de que ingerir hidratos de carbono de alto índice glicémico, ou seja, de absorção rápida, poderia ser uma ajuda. Ao estimularem a rápida libertação de insulina, os aminoácidos competidores seriam menos direcionados para o cérebro, ganhando o triptofano maior habilidade, então, para entrar no sistema nervoso central. E daí que haja até alguns estudos a mostrar que a ingestão de hidratos de carbono de alto índice glicémico nas três a quatro horas antes de deitar pode melhorar o sono, por este mecanismo. Mas a verdade é que não há grande solidez para fazer recomendações neste sentido.
A suplementação com melatonina, por sua vez, começa a acumular bom corpo de comprovação. Uma meta-análise de 2022 encontrou benefício da suplementação com melatonina, principalmente na diminuição do tempo que se demora a adormecer e, como consequência, no aumento do tempo total de sono. As doses utilizadas nos estudos variaram entre 0,2 mg e 5 mg por dia, sendo que dosagens entre 1 a 2 mg são as mais frequentemente consideradas. Em termos de timing, meia hora antes de deitar é a recomendação clássica, tendo um estudo recente sugerido uma maior antecipação, até três horas antes da hora a que se planeia adormecer.
Para além desta tríade triptofano-serotonina-melatonina, outros compostos têm vindo a ser estudados, nomeadamente alguns presentes no açafrão, com alguns estudos a mostrar efeitos hipnóticos aquando do seu consumo. A grande questão aqui é perceber a relevância prática e os protocolos de toma, e para isso os estudos atuais não têm ainda qualidade e um número de pessoas suficiente para nos dar confiança na sua recomendação.
Zinco e magnésio são outros dois nutrientes cujo efeito no sono poderá ser interessante, com alguns estudos a mostrar benefício, sobretudo em quem tem défice destes minerais. Também a vitamina D tem sido muito ligada ao sono, com vários estudos a mostrar uma melhoria na eficiência de sono após suplementação. Sendo que os défices de vitamina D são frequentes, pode estar aqui mais um benefício em regularizá-los.
Para além de ser útil privilegiar o consumo de nutrientes que auxiliem o sono, é ainda mais premente evitar compostos que claramente o prejudiquem. Cafeína e álcool são os dois exemplos mais conhecidos.
Uma meta-análise publicada recentemente mostra que a cafeína aumenta o tempo que se demora a adormecer, o número de acordares noturnos e/ou a sua duração, e, no global, a qualidade de sono, ao aumentar os períodos de sono leve e diminuir os de sono profundo.
Ainda que haja uma grande variabilidade na tolerância à cafeína, não podemos afirmar com segurança que as pessoas que dizem que a cafeína não lhes afeta o sono não sejam realmente afetadas. É que alguns dos efeitos podem não ser percecionados. Até podem adormecer logo, mas depois ter um sono menos profundo. A recomendação é a de tomar a última chávena de café cerca de nove horas antes de deitar. E em quem usa quantidades maiores de cafeína, seja em suplementos pré-treino ou ao beber mais do que um café num curto espaço de tempo, podem ser necessárias 13 horas para não sentir prejuízo no sono, ou seja, o melhor é mesmo só fazer esta ingestão da parte da manhã, não tomando mais cafeína a partir daí.
Já o consumo de álcool costuma gerar muita confusão, com a ideia generalizada de que as bebidas alcoólicas ajudam a dormir melhor. E, em boa verdade, podem ajudar a adormecer mais rapidamente, uma vez que o álcool tem um efeito sedativo. Mas o que se pode ganhar nesta redução do tempo até adormecer não compensa, uma vez que a eficiência de sono fica reduzida em 10% com apenas uma bebida alcoólica, podendo chegar a uma redução de 40% na eficiência de sono em quem consome quantidades maiores.
E foi publicado recentemente um estudo que se alinha com estes resultados. Os investigadores estudaram negociadores na bolsa e noutras áreas financeiras e encontraram que tanto o álcool como a cafeína impactam negativamente o sono, mas de formas distintas. O consumo de cafeína reduz o tempo total de sono, e o consumo de álcool diminuiu a sua eficiência.
Tendo em conta o volume de ciência publicada e que ainda pode gerar dúvidas, o ideal será fazer o básico, mas de forma consistente. Ou seja, para além de bons hábitos de higiene do sono, é fundamental:
– evitar cafeína da parte da tarde e noite;
– evitar o consumo regular de bebidas alcoólicas e, quando acontecer, moderar as doses;
–ter uma alimentação equilibrada, para que não haja défices nutricionais, nomeadamente de zinco e magnésio. Em casos de défice, a suplementação tem de ser equacionada;
– para quem tem baixos níveis de vitamina D, considerar a suplementação, não só pelo sono, mas por inúmeros efeitos metabólicos importantes;
–em último caso, a suplementação com melatonina pode ser considerada, mas sempre por um profissional de saúde. Automedicação e auto-suplementação não são solução.