Os compadrios como cortina de fumo

O discurso dos “compadrios” e das “cunhas” é uma cortina de fumo para ocultar esta evidência e para substituir dirigentes competentes por colegas da ministra e quatro ex-governantes do PSD.

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Há dias, João Miguel Tavares dedicou um primeiro texto à controvérsia em que me vi envolvido pelas declarações estapafúrdias feitas, no Parlamento, pela atual ministra da Cultura. Agradeço os elogios que faz à “energia e desejo de mudança” que imprimi à pasta nos dois breves anos em que a ocupei, e agradeço também as críticas, porque me dão oportunidade para dizer alguma coisa sobre o meu trabalho.

Em Portugal, o setor da cultura tem sido marcado pela instabilidade institucional e pela falta de recursos, mas também por grande dinamismo; nessa medida, ele é quase um espelho das debilidades e forças da nossa sociedade. Reduzir os problemas a “compadrio” e “subsidiodependência” significa desconhecer por inteiro a atividade artística e as regras a que o seu financiamento obedece. Ainda assim, se há aspeto em que tive tempo de dar passos concretos, foi no sentido de emancipar o setor de escolhas que até há pouco dependiam da vontade do ministro. Fi-lo porque isso é indispensável para criar previsibilidade nas políticas e proteger a liberdade criativa.

Por prudência, e por acreditar que sem continuidade o trabalho não pode dar frutos, reconduzi todos os dirigentes do ministério e as novas nomeações assentaram em critérios profissionais. Procurei sempre perfis adequados à função e complementares ao meu, porque me parece que o pior que um ministro pode fazer é rodear-se de pessoas que o mimetizem. Por ironia do destino, creio que nenhum dos 14 novos dirigentes tinha ligações ao PS, ao passo que três deles eram próximos do PSD. Para mim, esse critério nunca foi relevante.

A escolha dos diretores artísticos dos teatros nacionais passou a fazer-se por concurso e fui rigorosamente fiel aos resultados dos concursos de apoio às artes, decididos por júris independentes. Apesar de inúmeras pressões, mantive-me firme na decisão de não compensar os que haviam sido preteridos – e creio que fui o primeiro titular da Cultura a resistir a essa tentação. Acredito, de resto, que essa intransigência no cumprimento das regras – acompanhada por um enorme reforço orçamental dos apoios no meu mandato (de 120 para 244 milhões) – foi decisiva para que os resultados dos bienais estejam agora a ser recebidos sem polémica.

Em relação ao CCB, quando cheguei ao ministério encontrei o espaço do seu museu entregue ao Sr. José Berardo. Logo no início do meu mandato – tomando uma decisão com riscos jurídicos –, consegui libertá-lo desse ónus. Ao mesmo tempo, foi possível evitar que a coleção Ellipse fosse leiloada e, em vez disso, depositámo-la no CCB. Graças à combinação de acervos, existe agora um novo museu de arte contemporânea de nível internacional, paredes-meias com um belíssimo centro de artes performativas. Esta circunstância exige que o CCB passe a ter uma programação com outra coerência e ambição, que lhe permita abrir-se aos criadores e aos públicos: não existem museus nem centros culturais dignos desse nome que não disponham de diretores artísticos. Mas a ideia de que o anterior presidente saiu por se recusar a contratar uma pessoa imposta por mim é inteiramente falsa. Já a experiência como gestora pública de Francisca Carneiro Fernandes, aliada à sua proximidade às artes performativas, fazia dela uma escolha criteriosa, capaz de inaugurar o tempo novo que se pretendia para o CCB. Infelizmente, o seu trabalho foi arbitrariamente interrompido sem que se vislumbre qualquer orientação estratégica alternativa. O discurso dos “compadrios” e das “cunhas” é uma cortina de fumo para ocultar esta evidência e para substituir dirigentes competentes por colegas da ministra e quatro ex-governantes do PSD.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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