O meu corpo não me deixa perder peso?
Ainda que criar um défice calórico seja essencial para a perda de peso, manter esse mesmo défice ao longo do tempo é que é realmente desafiante.
Estamos todos um pouco cansados de certos influencers a dizer que “basta fazer um défice calórico” para perder peso, quando, na verdade, a perda de peso envolve muito mais do que comer menos e gastar mais.
Embora existam vários estudos que abordam múltiplas estratégias para a perda de peso — sejam intervenções no estilo de vida (dieta, exercício ou uma combinação das duas), farmacológicas (“as famosas injeções”) ou cirúrgicas —, há dois pontos que todas têm em comum: nem todos conseguem perder peso; entre os que conseguem, uma percentagem considerável reganha esse mesmo peso (ou até mais) num período de até cinco anos. Se perder peso é um desafio, experimente manter esse peso perdido a longo prazo... é uma tarefa ainda mais difícil.
A realidade é que um défice calórico é um desequilíbrio entre o que nós ingerimos e o que gastamos, sendo interpretado pelo corpo como uma ameaça à nossa sobrevivência. Como consequência, são ativados vários mecanismos de modo a atenuar este défice, numa tentativa de preservar energia e garantir a nossa sobrevivência. Algumas dessas respostas são quase imediatas, como o aumento do apetite e da sensação de fadiga, enquanto outras ocorrem como resposta à diminuição do peso e/ou massa gorda, fazendo com que o nosso corpo gaste menos calorias para as mesmas atividades realizadas, isto é, fica mais eficiente.
Para simplificar, imagine um carro que passa a consumir menos combustível para percorrer a mesma distância. A diferença é que nós gostamos de poupar combustível, mas, em contexto de perda de peso, queremos exatamente o contrário — gastar o máximo possível. , Se a Maria, por exemplo, gasta aproximadamente 2000kcal/dia e decide perder peso realizando uma dieta de 1700kcal/dia, à medida que perde peso vai também diminuindo o seu gasto calórico até igualar as 1700kcal/dia — e assim deixa de perder peso.
Apesar de estas alterações ocorrerem naturalmente e serem consequência da diminuição do peso, alguns estudos mostram que essas diminuições são ainda superiores àquelas que seriam esperadas, um fenómeno conhecido como “adaptação metabólica”. Na prática, e voltando ao caso da Maria, seria expectável que passasse a gastar 1700kcal/dia após a perda de peso, mas quando vamos medir o seu gasto energético, esse valor ronda as 1600kcal/dia, obtendo assim uma adaptação metabólica de 100kcal. Quando observamos casos extremos como os participantes do The Biggest Loser, programa também conhecido pela elevada percentagem de participantes que reganharam grande parte (ou mesmo a totalidade) do peso que perderam, o valor da adaptação metabólica pode ser efetivamente significativo (500-600kcal/dia). Por outro lado, em perdas de peso moderadas, esse valor é mais modesto (inferior a 100kcal/dia). Independentemente da força destas adaptações, será que vale a pena perder tempo a pensar nisto? Provavelmente não. Infelizmente, pouco ou nada conseguimos fazer em relação a estes mecanismos que ocorrem naturalmente.
Posto isto, ainda que criar um défice calórico seja essencial para a perda de peso, manter esse mesmo défice ao longo do tempo é que é realmente desafiante. A boa notícia é que, ao contrário das adaptações ao nível do metabolismo, existem duas grandes componentes que conseguimos controlar: a alimentação e o nível de atividade física.
Ao observarmos os (poucos) estudos que acompanharam os indivíduos após a perda de peso, percebe-se que muitos acabam por abandonar os hábitos alimentares e de atividade física que adquiriram durante a intervenção. Enquanto a perda de peso é um período finito, a manutenção do peso perdido é um compromisso contínuo, que dura toda a vida. Além disso, quando perdemos peso, existem vários acontecimentos que reforçam a motivação, como os números da balança a descer, a roupa que fica larga e até mesmo os comentários de amigos e familiares a elogiar o nosso progresso.
Por outro lado, na manutenção o principal objetivo é “simplesmente”... manter, o que para a maior parte das pessoas, é extremamente aborrecido. Isto faz com que, a longo prazo, exista esta tendência de abandonar os hábitos adquiridos durante a perda de peso. Posto isto, perder peso sem uma estratégia adequada para a fase de manutenção não parece uma boa ideia. Em vez de nos agarrarmos a frases como “o meu metabolismo é muito lento”, talvez seja mais útil focarmo-nos em estratégias não só para a perda de peso como também para a sua manutenção que assegurem a continuidade dos hábitos adquiridos. Portanto, pense nisto: será que vou conseguir manter a longo prazo esta dieta que estou a seguir agora? Vou continuar a frequentar o ginásio e/ou a fazer 10 mil passos por dia? A probabilidade de manter esses comportamentos é maior quando estes estão alinhados com motivações mais intrínsecas, como a melhoria da qualidade de vida e bem estar, e também quando vão ao encontro das nossas preferências — uma atividade física prazerosa é mais fácil de manter do que uma que é vista como um sacrifício.
Perder peso não é apenas uma questão de “querer”. O sucesso está em focarmo-nos no que conseguimos efetivamente alterar — alimentação e atividade física — e não perder tempo com o que está fora do nosso controlo (não, o seu metabolismo não está mais lento).