Ficar com os avós ou ir para a creche? Seja onde for, os bebés precisam de vinculação

A relação com o adulto de referência é o mais importante para o desenvolvimento dos bebés. Em casa dos avós, é importante manter a rotina, promovendo estímulos longe dos ecrãs.

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Se as crianças ficaram com os avós desde que nasceram, a altura ideal para a inscrição na creche será aos dois anos Daniel Rocha
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Nos Açores, fala-se de priorizar a entrada na creche de crianças com pais empregados. Na Suécia, os avós já podem tirar até três meses de licença do emprego para se dedicarem ao cuidado dos netos. Com avós cada vez mais absortos no trabalho até tarde, pais também imersos na rotina e creches lotadas, como ficam as crianças? Escolher se um bebé vai para a creche ou fica com os avós deverá resultar de uma combinação de factores, que invariavelmente terá de ter um ingrediente principal: um adulto de referência que vai garantir todas as necessidades do bebé. E, sim, pode ser uma avó ou um avô, dizem os especialistas em pediatria e psicologia ao PÚBLICO, a propósito do Dia dos Avós, que se assinala nesta sexta-feira.

Esta é apenas mais uma das decisões que os pais têm de tomar nos primeiros meses de vida do bebé, mas que é determinante para o desenvolvimento cognitivo e socioemocional da criança. E, quanto ao tema, as opiniões dividem-se, não só entre os especialistas, como na literatura científica, que aponta vantagens e desvantagens sobre cada uma das opções. “Não há vantagens nenhumas a nível social e de desenvolvimento em mandar uma criança nos primeiros meses ou anos para a creche”, declara, sem dúvidas, a pedopsiquiatra Margarida Crujo, que é defensora do papel dos avós nas famílias contemporâneas. “Os avós aliviam a rotina dos pais, mas também são paciência, mimo, colo e sabedoria.”

Se a família for suficientemente estruturada, a pedopsiquiatra acredita que um bebé terá maior facilidade em encontrar “a sua relação privilegiada no cuidado dos avós do que numa creche”. É essa “relação de interacção continuada que permite às crianças ir fazendo uma leitura do mundo, sentindo-se seguras para irem desenvolvendo as suas capacidades”. Isto, sobretudo, porque nas creches a especialista não vê essa “continuidade” a ser assegurada por culpa da instabilidade do sistema. E insiste: “A creche acaba por ser uma necessidade dos pais, não é uma necessidade das crianças mais pequenas.”

A pediatra Marta Ezequiel do Centro do Bebé, em Lisboa, é mais flexível, apesar de não negar os benefícios de os bebés e crianças passarem mais tempo com os avós, não só para “criarem laços emocionais mais profundos”, como defende Margarida Crujo, mas também para serem transmitidos “valores culturais e histórias familiares” que enriquecem a identidade das crianças. Tipicamente, a médica retrata a casa dos avós como “um ambiente calmo e estável”, que poderá contribuir para o bem-estar emocional dos pequenos.

Mas nem sempre é assim, lembra a psicóloga Joana Cadima, investigadora de educação infantil na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. “A creche pode trazer uma série de mais-valias para superar desigualdades do ponto de vista socioeconómico”, sobretudo num país como Portugal, que tem políticas de maternidade menos “generosas” do que a Suécia.

A investigação, analisa a professora, ainda não diz muito sobre o papel dos avós no desenvolvimento dos bebés, mas Joana Cadima não tem dúvida que são eles o “elo” entre a creche e a família. “O que a ciência nos diz é que a melhor creche é a que tem garantido o adulto de referência com quem o bebé estabelece uma relação responsiva e afectuosa e que providencia actividades estimulantes para o seu desenvolvimento”, detalha.

Caso consigam criar um ambiente estimulante e de qualidade para o bebé, os avós podem ser uma opção igualmente válida, sobretudo longe dos ecrãs, concorda Sara Figueiredo, psicóloga especialista em primeira infância no centro Partners in Neuroscience (PIN). “A promoção do desenvolvimento acontece quando existe um adulto com muita sensibilidade para dar resposta às necessidades da criança, dar colo quando chora, mas também estar afectivamente disponível para se sentar e brincar, promovendo o desenvolvimento.” E critica: “Em Portugal, ainda temos muitos avós que ficam ligados à televisão e são menos estimulantes.”

A estimulação pode ser tão simples quanto levar o bebé a passear ao parque ou à rua. No fundo, o mais importante é que se promova esta relação de referência com o cuidador, que resulta em crianças mais seguras. “É a teoria da vinculação: a confiança de uma criança para explorar o seu ambiente vai depender do sentido de segurança que tem a ver com a proximidade que sente do adulto”, explica a professora Joana Cadima. Bebés que não têm adultos responsivos por perto desenvolvem falta de confiança, uma constante ambivalência, timidez e dependência dos adultos.

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Um passeio ao parque é importante para estimular os bebés Adriano Miranda

Rotina e socialização

Ou seja, ao contrário do que poderão dizer os mitos urbanos, os mimos não vão tornar as crianças mais dependentes. Contudo, mesmo nos bebés que ficam em casa dos avós, os ingredientes têm de ser os mesmos da creche, com as especialistas a colocarem a tónica na rotina, que é fundamental para o bom desenvolvimento. “É mais fácil que em contexto familiar a rotina possa não ficar tão bem estabelecida”, observa a psicóloga Sara Figueiredo.

No entanto, para algumas crianças, a pediatra Marta Ezequiel recomenda uma introdução mais tardia ao ambiente educativo. “Quando a criança tem algum problema de saúde, nomeadamente algum tipo de imunodeficiência em que tem que estar mais resguardada de doenças, também convém ir mais tarde para a escola”, aconselha.

Nas crianças com atrasos de desenvolvimento na fala ou na interacção social, a ida para a escola pode ser estimulante e crucial. É o que Sara Figueiredo diz ser a terapia de exposição que vai introduzindo o contacto com outras crianças, através dos “modelos de imitação”, com bons resultados também, por exemplo, nos que estão no espectro do autismo.

Se ficaram com os avós desde que nasceram, a altura ideal para a inscrição na creche será aos dois anos, pois é nessa fase que o contacto com pares de torna especialmente importante ─ até ao primeiro ano de vida é mais significativa a socialização com adultos. “A partir daí, há uma série de competências que as crianças vão aprendendo umas com as outras, como a brincar ao lado do outro, a perceber que temos todos interesses diferentes, mas também iguais”, detalha a psicóloga do PIN.

Por seu lado, a pedopsiquiatra Margarida Crujo aconselha que a chegada à escola possa ser adiada até aos três anos. “Nesta idade a vinculação já está estabelecida e as crianças têm maior capacidade para lidar com o afastamento dos pais ou das figuras de referência. Têm também bagagem que lhes permite usufruir das vantagens sociais de aprendizagem que a creche pode dar”, propõe.

Contudo, a especialista garante não ser extremista e sabe que as creches são fundamentais para “evitar que o sistema da família entre em ruptura”, o que, no final de contas, prejudicará muito mais qualquer criança. “De facto, a creche não é uma necessidade dos bebés, mas há que não dramatizar e ainda bem que existem como recurso”, assevera.

Até porque, acrescenta Marta Ezequiel, as creches “fomentam a curiosidades e o amor pela aprendizagem” e também trazem “resiliência emocional” aos mais pequenos, promovendo a independência. Seja, como for, a tónica parece estar no amor e no cuidado com que se educa uma criança, em casa dos avós ou na creche.

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