Stress e enxaqueca: coregrafia da catástrofe

Cada crise é como uma mudança brusca de ritmo, um passo fora do compasso da vida, que leva quem sofre a um cenário demasiado familiar, inevitável, paralisante e imprevisível.

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Por ser uma doença invisível aqueles que sofrem podem sentir-se incompreendidos Mikael Blomkvist/pexels
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O stress e a enxaqueca são uma dupla inseparável, dois dançarinos cujos passos se entrelaçam de forma tão intricada que se torna impossível discernir qual deles dita o ritmo.

Quando o stress se torna um visitante indesejado, com as suas pressões, solicitações, exigências, faz emergir da profundeza do nosso inconsciente essa velha intrusa que, de forma cruel e devastadora, invade a nossa mente e corpo. Começa com uma nota discreta, como um sussurro. A melodia mental, anteriormente serena e harmoniosa, é tingida de tons sombrios e a sinfonia prossegue, com os violinos da dor a tocar agudamente, entrando depois tambores, ressoando um ritmo paralisante. Cada nota parece uma faca afiada, a cabeça um palco de caos, onde todos os instrumentos parecem lutar por domínio.

A sensibilidade extrema torna cada movimento, cada som, cada raio de luz, uma tortura. Entram em cena as náuseas, como glissandos fortes e estridentes de trombones. Cada nota, cada sintoma, tornam-se mais intensos, numa cacofonia frenética, indomável. A crise, agora no auge, é como um coro dissonante de mil tons, gritando, em angústia, durante horas. Dias. Vidas. O estômago revolta-se, em protesto, e o vómito surge como um interlúdio inesperado. Finalmente, a sinfonia da enxaqueca começa a desvanecer, até se tornar num leve murmúrio que permite, à mente e ao corpo, exaustos, recolherem-se em alívio. Num momento, chega o precioso e desejado silêncio, impotente perante essa memória, clave na partitura da vida, definindo a sua tonalidade.

Cada crise é como uma mudança brusca de ritmo, um passo fora do compasso da vida, que leva quem sofre a um cenário demasiado familiar, inevitável, paralisante e imprevisível. Obra de um coreógrafo caprichoso, que o obriga a improvisar, constantemente, dançando no fio da navalha, entre o sofrimento e a esperança. E, neste palco, conseguimos pressentir novamente o stress, como venda, forçando-os a dançar às cegas, sem saber quando o próximo passo em falso os levará, novamente, ao abismo.

Assim, esta intricada dança perdura, em ciclos intermináveis, onde stress e enxaqueca se entrelaçam numa coreografia de causa e efeito de um espetáculo quotidiano, sem fim à vista.

Cabe aos protagonistas tomarem a maestria desta obra. São dias como o que se assinala hoje, o Dia Europeu da Consciencialização do Stress, que salientam a importância de falar abertamente sobre a enxaqueca e o stress. Ambos invisíveis, ambos mutilantes.

O primeiro passo é compreender que não estamos sozinhos, mas, como os diferentes músicos de uma orquestra, estamos sujeitos à mesma partitura contemporânea, de ritmo acelerado que não permite nem uma pausa de semicolcheia. Reconhecer, partilhar e procurar ajuda são estratégias essenciais na gestão do stress e da enxaqueca.

Saber discernir e respeitar o nosso próprio ritmo, adaptando-nos a cada momento, e dominar a transição do suave adagio ao enérgico vivace, sem perder a sincronia de conjunto, é uma habilidade que pode ser cultivada através de técnicas como o relaxamento, a meditação e a atividade física. Aliados a uma boa higiene do sono e ao respeito pelos períodos de descanso, desempenham um papel essencial na nossa harmonia interna e na prevenção da ansiedade, depressão e das crises de enxaqueca.

No entanto, para uma gestão eficaz da enxaqueca, essas medidas podem ser comparadas a notas solitárias, úteis para nos orientar, mas por vezes insuficientes para podermos perceber como conduzir esta sinfonia. Por outro lado, podem perversamente criar uma melodia de rotina tão rígida, pelo medo de que alguns estímulos desencadeiem crises, que leve quem sofre a evitar quaisquer mudanças de compasso ou ritmo, evitando eventos e compromissos sociais, familiares e até profissionais ou escolares.

Por ser uma doença invisível e silenciosa aos sentidos dos outros, aqueles que sofrem podem sentir-se incompreendidos pelos seus colegas, amigos, familiares e parceiros, que não conseguem ouvir a intensidade ensurdecedora das crises e notam este estranho comportamento, dissonante, que força pausas na cadência das vidas.

A enxaqueca, que afeta a vida de quase dois milhões de portugueses é a segunda principal causa de anos vividos com incapacidade, em todo o mundo. No entanto, é importante lembrar que é uma doença com tratamento que, inclusivamente, tem tido inovação nos últimos anos, fornecendo-nos novos instrumentos que nos permitem acertar o passo, neste trio de dança.

É possível tornar as crises mais curtas e suaves. É possível reduzir o número de dias com dor. É possível coreografar a sua vida. E até improvisar. É possível abafar o sofrimento. É possível encontrar quem oiça. Simplesmente, é possível.

Se a enxaqueca desafina a sua vida, procure ajuda. Como um metrómetro, quando necessário, a medicação ajuda a recuperar o ritmo. O seu ritmo. Sem stress.


A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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