O título deste texto também podia ser outro, ou antes, podia ser um de dois. Crónica de uma morte anunciada ou Crónica de um sucesso anunciado. Ambos seriam certeiros, para contar a história da vinha de Rufete que está na origem de um dos últimos lançamentos da Quinta de S. Luiz — o Trio Rufete —, da sua Winemaker's Collection e, não é exagerado dizê-lo, da revolução que a Sogevinus tem vindo a operar na sua produção de DOC Douro.
A primeira vinha de Rufete na quinta de Tabuaço foi era dos anos 1980, como o trio de técnicos que ali aterrou saído directo da universidade — Ricardo Macedo (DOC Douro), Carlos Alves (vinho do Porto) e Márcio Nóbrega (viticultura). Na reestruturação que a empresa começou a fazer em diferentes quintas a partir de 2015, a casta mal-amada — que alguns dizem ser também amuada (de pele fina, é susceptível a podridões e à desidratação) —, com 1,5 hectares em São Luiz, foi imediatamente condenada à morte.
“Sendo uma casta precoce no Douro, quando era colhida tinha fraca produção. Era vindimada tarde, quando amadurece na altura dos brancos, e se for vindimada tarde desidrata e perde quilos. Foi uma das que foram assinaladas para eliminar, quando houvesse uma reestruturação naquela zona, a não ser que o enólogo fizesse alguma coisa de interessante da casta”, conta-nos Márcio, que fala muito (e bem). E em 2014 o enólogo, que fala menos, mas prova muito — é uma canseira boa percorrer com ele a nova adega da Sogevinus para vinhos tranquilos —, fez um primeiro ensaio.
Um tinto aberto de cor, mais leve e fresco que os poderosos tintos durienses. O tipo de vinho que, dez vindimas volvidas, é tendência. Na altura, a área comercial da empresa não achou piada ao vinho, por ser uma proposta contracorrente. Mas Macedo não desistiu. Fez um branco de uvas tintas que surpreendeu todos num jantar de Natal, mas que, mais uma vez, não despertou o interesse das vendas. “Todos os anos íamos fazendo qualquer coisa, só para não cortar a vinha. E o Ricardo tinha razão: se alguém tinha separado a casta é porque ela tinha valor, tinha alguma apetência. Só tínhamos que perceber qual”, recorda Márcio.
A equipa de São Luiz começa a estudar o potencial da variedade, que está inscrita na lista de castas minoritárias e existe em áreas maiores na vizinha Beira Interior, e há um momento em que o então dono do grupo disse que estava na hora de a Sogevinus ter um rosé. Ricardo, que desde 2014 vinha ensaiando diferentes coisas, já tinha um na adega. Problema: essa primeira colheita (2018) e o famigerado plano de reestruturação são contemporâneos. Quando a empresa decide apostar no Rufete, a vinha já estava condenada.
O primeiro Rufete rosé de São Luiz (lançado como Kopke, ainda), dessa vinha mais antiga, foi engarrafado em Abril de 2019, quando a reestruturação já estava assinada e selada. As videiras foram arrancadas — ainda assim por fases, faltou-lhes “coragem” para arrancar tudo de uma assentada —, mas deixaram a mais importante das sementes.
Antevendo que dali sairia algo especial, e recusando atirar a casta ao chão, a equipa técnica plantou, ainda em 2018, uma vinha nova de Rufete na Galeira, uma zona de encosta, a 300 metros de altitude. Esse primeiro rosé foi, efectivamente, um sucesso e os técnicos conseguiram voltar a plantar Rufete no terroir original (180 a 200 metros).
A área de Rufete é hoje de 3 hectares — em 95 hectares de vinha, numa quinta que tem de área total 125 —, sensivelmente o dobro do que havia antes da reestruturação. E, informação de pormenor, foi plantada já com uma condução em Guyot, por ser um sistema menos propenso a doenças do lenho do que a condução em cordão — a quinta está, de resto, a converter toda a vinha de um para o outro.
Da experiência com esse Rufete haveria de nascer também o projecto Winemaker’s, para os vinhos tranquilos de topo da quinta. O Rufete fora um sucesso, mas no ano seguinte não era opção trabalhar a casta. “Temos viticultores [a Sogevinus trabalha com cerca de 300] que a têm, mas não conseguíamos ter a qualidade que procurávamos. Ainda bem que o Ricardo tem sempre alguma na manga”, atalha Márcio. E tinha, um Tinto Cão rosé. Outro êxito, à época engarrafado como Kopke, que ainda não saiu do portefólio do produtor.
“Tínhamos ensaios de Tinto Cão, Tinta Amarela, Tinta Roriz e Touriga Nacional. A Tinta Amarela também era uma casta muito interessante, só que não é tão constante todos os anos. E o Tinto Cão é sempre constante, em acidez e frescura”, explica o precavido enólogo.
Chegados a 2020, Ricardo já fizera um branco, um rosé e um tinto de Rufete e a empresa começou a pensar em lançar o trio para o mercado: a mesma casta, duas parcelas, diferentes processos de vinificação, três vinhos distintos, vendidos em conjunto.
O tinto — e aquele que nos encheu as medidas, por ser porventura aquele que mais bem expressa o que a casta é — é de 2021, teve um estágio mais longo, de 12 meses, e foi recentemente lançado com o blanc des noirs e o rosé de 2022. Apesar de estarmos perante anos diferentes, as “maturações aconteceram mais ou menos na mesma altura”, na segunda semana de Agosto, conta Ricardo Macedo, para quem o Rufete marca pontos pela “cremosidade” e pelo “potencial de guarda”. “Parece que não envelhece, está sempre novo.”
Percebemos a razão de lançar um kit, que ‘obriga’ a comprar os três vinhos (garrafas numeradas com o mesmo número e de uma edição limitada de 1.100 caixas do trio): mostrar a plasticidade da casta e mostrar que o Rufete consegue acompanhar toda uma refeição. Mas, a seu tempo, será interessante deixar os três vinhos fazerem o seu caminho e poder escolher produzir mais daquele que mais sucesso tiver.
Esta e outras experiências, as que viram o exterior da adega e as outras, andam de mãos dadas com outros ensaios que fazem de S. Luiz uma quinta a ter debaixo de olho: da tecnologia de ponta escolhida a dedo para a nova adega dos DOC Douro (a primeira vindima foi em 2020) à aposta em castas minoritárias (vão aumentar a área de Donzelinho tinto), passando pelo trabalho de identificação e georreferenciação das vinhas velhas — com vista à multiplicação das variedades aí encontradas no campo ampelográfico que existe na propriedade — ou pelo estudo de leveduras indígenas com a Universidade do Minho.
Não sendo pioneira — lembramo-nos bem de, em 2012, apreciar o Rufete de 2010 com que a Real Companhia Velha lançou o Séries, um projecto ímpar que já vai em 15 varietais (os últimos de Baga e Cerceal), com umas belas sardinhas assadas na brasa d’O Valentim —, é de louvar que a Sogevinus esteja a olhar para a riqueza de uma região onde há registo de 150 castas autóctones.
Seja porque as alterações climáticas pedem outra viticultura e outras opções na adega, seja porque uma parte do mercado começa a procurar “coisas singulares”. Bravo.
Nome São Luiz Winemaker’s Collection Rufete Reserva Rosé 2022
Produtor Sogevinus
Castas Rufete
Região Douro (Cima Corgo)
Grau alcoólico 13%
Preço (euros) 60 euros (PVP recomendado pelo produtor, para o kit dos três vinhos, que inclui um tinto aberto de 2021 e um blanc des noirs de 2022)
Pontuação 91
Autor Ana Isabel Pereira
Notas de prova Rosé sério e versátil. De cor elegante (salmão pálido), com um nariz muito interessante, complexidade de boca e uma textura gorda que o tornam um vinho muito guloso. Com notas florais (pétalas de rosa) e frutadas (cereja), a sua frescura e cremosidade casaram bem com o presunto fumado com sete meses de cura servido como entrada no Quinta de São Luiz by Chef Vítor de Oliveira. Feito de cachos inteiros, prensa suave (já depois do gota-a-gota do branco) e estágio de seis meses em cascos de castanheiro (25%) e carvalho nacional (25%) e em ânfora.
Nome São Luiz Winemaker’s Collection Rufete Reserva Tinto 2021
Produtor Sogevinus
Castas Rufete
Região Douro (Cima Corgo)
Grau alcoólico 13,5%
Preço (euros) 60 euros (PVP recomendado pelo produtor, para o kit dos três vinhos, que inclui um rosé e um blanc des noirs de 2022)
Pontuação 94
Autor Ana Isabel Pereira
Notas de prova De cor aberta, tem um nariz intenso, fresco, com aromas a frutos do bosque e notas especiadas, bem integradas, resultantes do estágio de parte do lote em madeira usada (12 meses; 25% em castanheiro e 25% em carvalho nacional). Na boca, para além da frescura — parece mais leve do que é —, sobressaem o seu tanino seco e a sua cremosidade (que vem dos 50% que estagiaram em ânfora). Corpo médio e alguma tensão (ter fermentado com “15% a 20% do engaço” dá-lhe esse nervo) num vinho com boa estrutura, equilibrado e que ficaríamos a beber mesmo para lá do polvo algarvio com que foi harmonizado — uma ligação sui generis que funcionou bem. Final longuíssimo.
Nome São Luiz Winemaker’s Collection Rufete Reserva Branco 2022
Produtor Sogevinus
Castas Rufete
Região Douro (Cima Corgo)
Grau alcoólico 12,5%
Preço (euros) 60 euros (PVP recomendado pelo produtor, para o kit dos três vinhos, que inclui um tinto aberto de 2021 e rosé de 2022)
Pontuação 89
Autor Ana Isabel Pereira
Notas de prova De cor limão pálido, nariz fresco e foral, intenso, a líchias e fruta de polpa branca, é um branco — um blanc des noirs — complexo (estagiou seis meses em cascos de castanheiro, 25%, e carvalho nacional, 25%, e em ânfora, 50%), feito das primeiras gotas da prensa suave de cachos inteiros. Em prova cega, ninguém diria ser um Rufete e é estranho que o seja. Seguramente original, tem um dos seus principais atributos na acidez viva que ajudou a limpar o palato enquanto comíamos o pudim de ovo de Vítor de Oliveira. A inesperada harmonização encontrada pelo chef do restaurante da Quinta de São Luiz surpreendeu pela positiva e dividiu a mesa. Ficámos do lado dos que, neste Trio Rufete, preferiram o tinto.