Para as mulheres que trabalham em áreas como o direito e as finanças, o uso de saltos altos era um dado adquirido como parte do que significava ir trabalhar, tal como uma hora de viagem de ida e volta até ao escritório ou uma salada almoçada à secretária. Agora, depois de uma pandemia, muitas delas questionam se a elegância de uns saltos compensa a dor nos pés.
Nos últimos meses, os podologistas têm verificado um aumento de lesões nos pés provocado pelo regresso ao escritório, conferências presenciais e outros eventos profissionais que exigem um calçado mais formal. O especialista Miguel Cunha, da clínica Gotham Footcare em Manhattan, EUA, confirma que tem presenciado um afluxo de ferimentos por uso excessivo de saltos, desde entorses do tornozelo a fascite plantar (uma inflamação no tecido que dá suporte ao pé), depois de estes sapatos terem sido deixados no guarda-roupa durante dois anos.
Durante a pandemia, os níveis mais baixos de actividade física, bem como um maior período de tempo a andar descalço levaram ao enfraquecimento dos músculos e tendões do pé. “Uma vez levantadas as restrições da pandemia, muitas mulheres retomaram o uso dos saltos para o trabalho sem dar ao corpo o tempo adequado para a transição de volta aos seus níveis de actividade pré-pandémica”, explica o podologista.
Para muitas, tal foi sinónimo de uma intensificação da dor e desconforto nos pés. “O corpo não gosta de qualquer tipo de mudança abrupta”, lembra James Hanna, antigo presidente da Associação Médica de Podologia de Nova Iorque. “Sempre que se é obrigado a fazer algo de uma só vez, como de repente voltar ao escritório e usar estes sapatos que não se usavam há dois anos, é como estar a pedir problemas”.
Alternativa: sapatilhas brancas
A consultora de imagem Jessica Cadmus, que trabalha com executivos de Wall Street, assegura que a maioria das suas clientes deixou de usar saltos altos todos os dias para usar apenas uma vez por semana ou em reuniões importantes.
Ao longo da pandemia, a executiva Alice Sofield calçava sobretudo sapatilhas quando trabalhava a partir de casa. Mas depois de uma conferência da indústria em Junho, após quatro dias em cima de saltos altos, recorda como os pés doíam tanto que nem conseguia ficar de pé. Resultado? Teve de levar injecções de cortisona nos calcanhares para aliviar a dor.
Nos escritórios, o clássico fato e o salto alto têm dado lugar a opções mais descontraídas, que incluem, por exemplo, sapatilhas brancas. “A mudança foi no sentido de implementar uma estética mais casual em Wall Street”, observa Jessica Cadmus. E este tipo de calçado é uma escolha recorrente tanto para homens, como para mulher. A consultora de imagem garante que este calçado resulta bem com peças mais formais, como calças de fato.
Alice Sofield tem notado a tendência também na sua vida profissional, mas confessa ainda sentir que tem de manter um certo padrão de profissionalismo no calçado para reuniões presenciais. “Quando conheci os meus clientes numa reunião formal, todos estavam a usar sapatilhas”, conta. “Mas eu não posso, eles são os clientes, tenho de estar bonita”.
Saltos só para ocasiões especiais
As estatísticas dão conta que as mulheres continuam a comprar novos pares de sapatos de salto alto, mas agora não para trabalhar. O relatório de Julho da empresa de estudos de mercado NPD Group conclui que os saltos altos estão a ganhar vantagem em relação aos saltos baixos, à medida que surgem ocasiões especiais, como os casamentos ou baptizados típicos desta época do ano.
“As vendas de calçado estão também a afastar-se dos saltos agulha ─ um estilo mais conservador e orientado para o trabalho ─ para sandálias de salto alto, orientadas para as festas”, nota a analista Beth Goldstein.
Seja para o trabalho ou para festejar, usar saltos depois de um longo hiato coloca-q em risco de usar um sapato muito menos na moda: uma bota imobilizadora. “Os saltos vão torná-la menos estável, mais susceptível de ter entorses laterais do tornozelo e outro tipo de problemas”, especialmente se já não estiver habituada, avisa o podologista James Hanna.
Quase dois meses após a conferência de quatro dias, Alice Sofield conta como os pés ainda lhe doem quando acorda de manhã. Enquanto marca outra visita ao médico para ver se ainda precisa de outra rodada de injecções de cortisona, garante que não voltará ao armário cheio de saltos de dez centímetros que costumava usar antes da pandemia. “Tenho uma pilha deles que vou dar. Que sentido faz?”, conclui.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Tradução e adaptação: Inês Duarte de Freitas