A nossa obsessão com a felicidade está a tornar os nossos filhos infelizes
Esta abordagem do desenvolvimento emocional negligencia toda a gama complicada de sentimentos infelizes que são uma parte tão válida da vida humana quanto a felicidade — da tristeza à frustração, da raiva ao medo, da culpa à decepção, do tédio ao nojo.
Observava a remodelação da cozinha de uma pessoa quando vi uma daquelas placas de madeira com as Regras da Casa e a regra número 7, entre o “Mostre compaixão” e “Amem-se uns aos outros” estava o “Seja feliz”. Como psicóloga, não pude deixar de me questionar: quem neste mundo já ficou feliz porque outra pessoa lhe disse que tinha de o ser? E, pior, esta procura incessante da nossa cultura da felicidade não está, na verdade, a tornar os nossos filhos infelizes?
Parece contra-intuitivo, é claro, mas, para sermos felizes no longo prazo, devemos abraçar mais plenamente os momentos em que não somos. Numa cultura que pretende ser positiva, ensinar essa mentalidade é como nadar contra a corrente. Os nossos filhos absorvem desde muito cedo a mensagem “Sentimentos felizes são os sentimentos mais aceitáveis”. No pré-escolar, o bonequinho com um rosto sorridente é o elogio final, assim como aprender canções sobre ter pensamentos felizes e, claro, há sempre aquela recomendação “não chores”, sem que eles saibam bem (nem nós) quais são as instruções para não chorar.
Esta abordagem do desenvolvimento emocional negligencia toda a gama complicada de sentimentos infelizes que são uma parte tão válida da vida humana quanto a felicidade — da tristeza à frustração, da raiva ao medo, da culpa à decepção, do tédio ao nojo.
Muitas investigações sobre bem-estar deixam claro que as abordagens típicas da busca da felicidade estão longe de ser úteis para os nossos filhos. Os problemas de ansiedade e saúde mental em crianças e adolescentes têm aumentado com constância, mesmo antes da pandemia. Na verdade, quanto mais ensinamos os nossos filhos a serem positivos, à custa de os ajudar a evitar sentimentos difíceis, menos os equipamos com ferramentas para lidar com tais sentimentos quando a vida inevitavelmente fica mais difícil. Na pior das hipóteses, ensinamos aos nossos filhos que sentimentos perturbadores são inaceitáveis e precisam de ser anestesiados.
Medo do medo
No caso dos norte-americanos, estes gostam de acreditar que os pensamentos os definem: que precisam de os controlar, modelá-los e evitar agressivamente os pensamentos “maus” que supostamente os condenam à infelicidade. Mas isso dá muito poder aos pensamentos. Estudos sobre atenção plena, terapia de aceitação e compromisso revelam que não são os pensamentos negativos que causam depressão, ansiedade, desmotivação ou qualquer outra rotina mental da qual temos medo. É quando os pensamentos negativos se tornam permanentes é que estamos mais sujeitos a esses problemas. E aqui está a questão: quanto mais lutamos com os nossos pensamentos, mais lhes damos o poder de persistirem. Ter a fixação de ter apenas o tipo “certo” de pensamentos gera a rigidez cognitiva que cria uma visão afunilada e nos tranca em padrões inúteis, aumentando o nosso risco de remoer, ficar obcecado, compulsivo e diminui a nossa capacidade de nos adaptarmos a contratempos.
Além disso, a intolerância ao sofrimento — o medo do desconforto que cria a necessidade de escapar ao mau humor, em vez de lidar com eles de forma mais activa — está associada não apenas à ansiedade, mas a um risco maior de abuso de substâncias, ingestão excessiva de comida e automutilação.
Actualmente, os nossos filhos confrontam-se com um ano de vida quotidiana dolorosamente perturbada, em que tudo, desde as brincadeiras aos abraços dos avós, das viagens, dos torneios e campeonatos às festas de aniversário, tudo foi sacrificado. Não será natural se eles não tiverem sentimentos infelizes sobre estas perdas. Por isso, que melhor momento para começar a ensiná-los que a infelicidade tem um lugar legítimo numa vida plena e — sim — verdadeiramente feliz? Frequentemente, são as emoções difíceis que mais nos ensinam sobre nós mesmos e que nos dão a oportunidade de encontrar um significado e nos ligar aos outros.
Com isto não estou a dizer que a felicidade é má ou que não devamos procurar a alegria, mas a felicidade forçada, a felicidade como único objectivo sem um sentido mais profundo de significado ou propósito, ou a pretensão de felicidade que decorre da expectativa de que qualquer coisa menos é tóxica pode tornar essa “felicidade” prejudicial por si mesma.
Se os pais puderem ajudar os filhos a desenvolverem a metacognição — a capacidade de pensar sobre os seus pensamentos e não ficar preso neles — e a atenção plena, o que os ajuda a tornarem-se um observador gentil e imparcial dos seus pensamentos e sentimentos, sintonizado no momento com as suas experiências, então estarão a dar-lhes ferramentas psicológicas para os ajudar para toda a vida.
Aqui ficam algumas maneiras de os ajudar:
- Ensine aos seus filhos que seus pensamentos não os definem. Incentive-os a analisarem os seus pensamentos com curiosidade, em vez de com medo, de maneira não julgadora e não com vergonha. Por exemplo, incentive-o a rotular os pensamentos angustiantes assim: “Penso que ninguém gosta de mim”; em vez de: “Ninguém gosta de mim”.
- Incentive-os a transformar em personagens os pensamentos ansiosos; isso pode ajudar a criança a distanciar-se da sua voz negativa e ajuda a desestigmatizar a conversa sobre ansiedade.
- Assuma a postura de que os sentimentos, mesmo os grandes, estão sempre bem. Enfatize que o que mais importa é como lidamos com as emoções, e podemos escolher essas acções com atenção. Ensine-lhes que os humores desagradáveis costumam passar, mas que, se não passarem, podemos desenvolver uma caixa de ferramentas de maneira a geri-los e enfrentá-los. Enfatize que os sentimentos por si só não são certos ou errados.
- Comprometa-se a ensinar e a praticar a pausa. Elogie os seus filhos sempre que eles experimentarem uma sensação desagradável, mas antes pare e observe a sensação sem agir de forma destrutiva sobre ela. Frequentemente dizemos aos nossos filhos “Não fiques tão zangado” porque equiparamos a raiva deles a acções ofensivas. Em vez disso, ensine-os que a raiva está bem, mas devemos pensar nas nossas acções com cuidado, percebendo os nossos pensamentos e sensações corporais sem entrar em piloto automático. Cada vez que se envolvem totalmente com um sentimento e escolhem um comportamento funcional, eles fortalecem a sua inteligência emocional e tornam mais provável que esse sentimento não os leve a hábitos prejudiciais no futuro.
- Amplie o seu vocabulário sobre emoções. Incentive os seus filhos a expressarem os seus sentimentos e coloque-o em prática você mesmo. Use afirmações que se centram no “eu” — “Fiquei triste quando me disseste isso” em vez de “Foste muito mau!”. Encorage os miúdos a escrever ou desenhar os seus sentimentos num diário — os estudos mostram que o mero acto de rotular um sentimento pode ajudar-nos a sentir que temos mais controlo e permitir que passe mais rapidamente.
- Observe e ajuste os seus hábitos de falar sobre sentimentos. Preste especial atenção às vezes em que invalida as emoções do seu filho ou tenta forçar uma reacção interna diferente: “Estás bem?”, “Está tudo bem”, “Não tens nada a temer”. Em vez disso, opte pela empatia: “Parece que isso é realmente perturbador; vamos pensar em como podemos resolver isso. ”
- Fale sobre a verdadeira felicidade como algo mais do que apenas prazer ou facilidade. Todos nós queremos que os nossos filhos sejam felizes. Mas o que eles absorvem sobre o que isso significa é crucial. Ao abri-los para a ideia de um sentido de propósito, encontrando significado nas suas vidas ou definindo os valores importantes para eles, os miúdos terão uma melhor compreensão de como mesmo em tempos difíceis e desafiadores podem cultivar a felicidade. Esteja ciente da maneira como usa definições externas e superficiais de felicidade — como acertar num teste ou ganhar um campeonato — e o põe acima do sentimento interno de orgulho que deve ter pelo trabalho duro que a criança teve para o conseguir.
Em breve, eles (e nós, os pais) estarão mais abertos para a verdadeira experiência de felicidade — e para qualquer outra coisa que a vida traga.
Um exclusivo PÚBLICO/The Washington Post