Portugueses: nem muito nem pouco felizes. Mas a felicidade mede-se?
Riqueza, apoios sociais, uma vida saudável... Afinal, o que faz a felicidade? E isso mede-se?
Os portugueses são o 66.º povo mais feliz do mundo, revela o Relatório Mundial de Felicidade, divulgado esta quarta-feira. Apesar de continuar a meio da tabela do relatório desenvolvido pela United Nations Sustainable Development Solutions Network, e longe de países com conjunturas económicas e sociais semelhantes, a classificação deste ano de Portugal significa uma subida de 11 posições em relação a 2018.
No Dia Mundial da Felicidade, pessoas e países perguntam: quão felizes somos? É difícil quantificar a felicidade, um conceito subjectivo, que varia no tempo, no espaço, de país para país, de pessoa para pessoa – pode até mesmo mudar consoante a estação do ano. Apesar das dificuldades, é cada vez mais comum que a satisfação e a felicidade sejam áreas centrais de pesquisas nas ciências sociais. Vários estudos apontam para que as características do meio social estejam associadas à percepção de felicidade, ao mesmo tempo que as desigualdades sociais influenciam negativamente esta percepção.
Como se explica que, no caso português, o país tenha subido mais de dez lugares num só ano? Dos sete factores analisados (riqueza do país, apoios sociais, expectativa de uma vida saudável, liberdade para fazer escolhas, generosidade e percepção de corrupção), e em comparação com o ano anterior, Portugal subiu ligeiramente em quase todos, mas mais notoriamente no factor que mede a expectativa de uma vida saudável.
A subida ligeira destes factores fez com que o país passasse de um 5.41 para um 5.69 numa escala de zero a dez.
José Pais Ribeiro, investigador e professor na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, defende que os conceitos do bem-estar, da satisfação, da qualidade de vida e da felicidade são parecidos e estão cada vez mais ligados à economia e à saúde. “Há muito tempo que se estuda a relação entre a felicidade e a governação, corrupção e a economia”, confirma o psicólogo. “Em termos de saúde, o que tenho concluído é que as pessoas mais felizes não só resistem melhor como têm menos doenças. Caso as tenham, têm mais recursos para recuperar e para voltar à vida normal.”
Um milhão a mais, um milhão a menos
Segundo José Pais Ribeiro, que conversou com o PÚBLICO antes da divulgação do relatório, o caso português não é muito diferente de outros países. “Um australiano também sente infelicidade e um português também, só que dependem de critérios diferentes. O dinheiro não explica a felicidade, não é por ter um milhão a mais ou a menos que vou ser mais feliz, mas para uma vida confortável é preciso ter um mínimo. Se as pessoas tiverem falta de comida ou não tiverem habitação, isso vai reduzir a felicidade”, explica o professor.
No entanto, o investigador realça que existe um patamar mínimo de felicidade e que Portugal parece sempre estar relativamente mais abaixo em vários factores. “Temos menos que os outros em várias áreas”, diz.
José Pais Ribeiro lembra que a felicidade é uma experiência profundamente subjectiva. “A felicidade é aquilo que eu digo que tenho e o que eu penso que ela é. Os aspectos que eu considero para avaliar a minha felicidade são diferentes dos dos meus vizinhos. Não é como um peso que pomos na balança”, remata o investigador.
No campo da felicidade, os estudos não escasseiam, mas as opiniões do que ela é, ou como se mede, dividem-se. Através de vários estudos e inquéritos, o site Our World in Data, uma plataforma sem fins lucrativos que reúne dados sobre as tendências mundiais que mais afectam a população, compilou em 2017 várias pesquisas sobre a felicidade e o bem-estar dos cidadãos mundiais.
A escala usada nos vários estudos compilados foi a mesma usada no Relatório Mundial da Felicidade. “Imagine uma escada com degraus numerados de zero, na parte inferior, a dez, na parte superior. O topo da escada representa a melhor vida que poderia viver e a parte inferior da escada representa a pior. Em que degrau da escada diria que, em termos pessoais, se sente neste momento?”, propõe um dos métodos usados.
Na Inglaterra, os cidadãos são mais felizes entre 16 e os 70 anos de idade, mas o seu bem-estar decresce durante a maior parte dos anos das suas carreiras profissionais. Uma publicação da Resolution Foundation, um think tank britânico dedicado a melhorar os padrões de vida das famílias de baixa e média classe, concluiu que as pessoas tendem a ser mais felizes, mais satisfeitas e a ter uma maior auto-estima nos seus primeiros anos de vida e quando cortam a meta dos 70 anos. Segundo o Relatório Mundial de Felicidade, o país está no top 20 dos mais felizes do mundo, passando de 19.º em 2018 para 15.º em 2019.
O caso do Butão
O Butão foi o primeiro país do mundo a introduzir o tema da felicidade como política de estado. Ainda assim, no índice dos países mais felizes, o Butão é o 95.º e subiu apenas duas posições em comparação com 2018.
Segundo um relatório da Organização Mundial de Saúde, o conceito butanês de felicidade é mais profundo do que o conceito de felicidade dos países industrializados. Desde o início dos anos 1970 que o país tem dado prioridade à promoção do bem-estar da população em detrimento do desenvolvimento material.
Na Constituição está estipulado que “o Estado fornecerá acesso gratuito aos serviços básicos de saúde pública, tanto em medicamentos modernos quanto tradicionais”. A saúde é reconhecida como um pré-requisito para o desenvolvimento económico e espiritual e como uma forma de alcançar a felicidade nacional, tanto que entre 7,4% e 11,4% dos gastos totais total do governo vão parar ao sector da saúde.
Capitalismo dá felicidade?
O Relatório Mundial de Felicidade afirma ainda que nos países industrializados a felicidade está frequentemente associada ao consumo material. “Um nível básico de riqueza material é necessário, mas os cidadãos dos países mais ricos e tecnologicamente avançados não são necessariamente os mais felizes”, dizem os autores do estudo.
Um exemplo deste tipo de países são os Estados Unidos da América. Num artigo publicado em Novembro de 2018 na revista Psychology Today, Lawrence R. Samuel, psicólogo especialista em estudos americanos, refere que a história da felicidade nos EUA não é uma história bonita. “As nossas expectativas da felicidade excederam em muito a sua realização, o que sugere que a nossa forma de vida baseada no capitalismo de consumo tem grandes falhas em termos de satisfação emocional. A felicidade provou ser uma procura evasiva e muitas vezes fútil neste país, algo que se manteve igual independente da raça, género e classe [da pessoa]”, explica.
No artigo Do you think of americans as a happy people?, o professor refere que o relacionamento desconfortável dos americanos com a felicidade tem aumentado ao longo do último século. Uma sociedade mais abastada e um mercado abundante não geraram uma nação cheia de pessoas felizes.
No Relatório Mundial de Felicidade, os Estados Unidos já estão no top 20 desde 2018 e, do ano passado para este, subiram uma posição, de 18.º para 19.º.
As receitas nórdicas
Tanto em 2018 como em 2019, a Finlândia obteve a classificação mais elevada no ranking do Relatório Mundial de Felicidade. Os países nórdicos continuam a ocupar os principais lugares nas classificações do índice de felicidade e obtiveram elevadas pontuações ao nível dos rendimentos, esperança média de vida e saúde, assistência social, liberdade, confiança e generosidade. Em 2018, o top 3 já era ocupado pela Finlândia, Dinamarca e Noruega. Este ano, a Dinamarca destronou a Noruega e passou para segundo lugar.
O hygge, fika e lykke são conceitos oriundos dos países nórdicos, os que se dizem os mais felizes do mundo. São conceitos que se transformaram em “receitas para a felicidade” consumidas em vários países.
O autor de um dos livros mais populares sobre o tema, O Livro do Hygge, é também o fundador do The Happiness Research Institute, organização responsável por elaborar todos os anos o índice de felicidade mundial. Num novo livro apresentado em 2018, Meik Wiking voltou a abordar a felicidade, mas desta vez de uma forma mais global. O Livro do Lykke – Os Segredos das Pessoas Mais Felizes do Mundo apresenta uma nova palavra dinamarquesa que significa simplesmente, “felicidade”, e fala sobre os hábitos de diferentes populações e o que as tornam mais felizes.
Já na Suécia, um dos países com índices mais altos de suicídio, o fika parece traduzir-se noutro segredo para a felicidade. A palavra significa literalmente pausa para café (e uma fatia de bolo, de preferência) e várias empresas do país já introduziram o conceito nos seus quotidianos laborais de forma obrigatória. A Suécia está sete do ranking dos países mais felizes.
Bem longe da Europa do Norte, os japoneses também têm uma receita para a felicidade e para a longevidade. Chama-se ikigai e não tem tradução literal, mas o seu significado anda à volta de uma razão para se estar vivo ou a alegria de se manter activo. De acordo com os japoneses, cada pessoa tem um ikigai: é o que faz cada um levantar-se da cama todos os dias. Mas o Japão está longe deste grupo de países no ranking: desceu quatro posições entre 2018 e 2019, de 54.º para 58.º
O relatório divulgado esta quarta-feira baseou-se nas pesquisas da Gallup – empresa especializada em análises de índices através de amostras com representatividade nacional – de 2016 a 2018 e continua a mostrar tanto mudança como estabilidade nas posições de vários países. “Como demonstrado pelas nossas tabelas de classificação para a felicidade, os principais países do topo tendem a ter valores mais altos para a maioria das variáveis analisadas desde os rendimentos, expectativa de vida saudável, apoios sociais, liberdade, confiança e generosidade”, concluiu o relatório.
O “maior ganhador” como classifica o documento, foi Benim: a nação africana subiu 50 posições no ranking. Os “maiores perdedores”, com valores empatados, foram a Venezuela e a Síria. Os países baixaram 1,9 pontos em dez em apenas alguns anos.