Carmen Garcia explica às crianças como se espalha o vírus da pandemia
Rimas com vírus, narizes, sabão e vacinas transformam um livro numa ferramenta de educação para a saúde. Era Uma Vez... Um Vírus, de Carmen Garcia e Tiago Leal, quer combater a desinformação desde cedo. Na sexta-feira sai com a edição impressa do PÚBLICO.
O que começou por ser uma conversa entre mãe e filho, para o informar e sossegar, acabou por resultar num livro de rimas simples sobre o coronavírus. Era Uma Vez... Um Vírus foi escrito por Carmen Garcia, enfermeira e cronista do PÚBLICO, e ilustrado por Tiago Leal, da Ego Editora. Está a partir de segunda-feira disponível online no PÚBLICO e será distribuído gratuitamente, na sexta-feira, 12 de Fevereiro, em suporte papel com a edição impressa do jornal.
Carmen Garcia revela o processo de construção do livro: “Comecei a contar esta história muito antes de pensar transformá-la em livro. Foi a forma que encontrei de falar com os meus filhos sobre o coronavírus porque o mais velho (quatro anos), de um momento para o outro, começou a ficar muito assustado com a pandemia.” Passava o tempo a perguntar-lhe se ele ou o irmão, mais novo, tinham coronavírus.
“Entretanto”, continua, “quando decidi voltar a trabalhar – porque eticamente não me pareceu aceitável não ajudar como enfermeira nesta fase –, foi o pânico absoluto. Passava o tempo a fazer-me perguntas, preocupado… E esta história serviu para falarmos sobre o coronavírus e a covid-19 de uma forma positiva, mas sem fugir à realidade.”
Por isso, deseja que o livro sirva “de porta à conversa que pais e filhos precisam de ter sobre a pandemia. A ideia é que, a partir da informação dada no livro, as crianças consigam expor aos adultos as suas dúvidas, medos e inseguranças”. Diz ainda: “O livro é de fácil leitura e, por ser em verso, tem ritmo. O ritmo que é suposto mantermos depois de chegar à última página.”
Aliviar a ansiedade e o medo
O ilustrador e editor do livro, Tiago Leal, conta ao PÚBLICO o primeiro contacto da autora: “Tudo começou com uma proposta da Carmen que, num telefonema, me disse que achava que era necessário fazer algo para melhor comunicar a pandemia às crianças, porque, em termos de comunicação, as via um pouco esquecidas. Essa preocupação vinha de relatos de pais que lhe confidenciavam que sentiam os filhos perdidos no meio deste mar de informação apenas para adultos e a começarem mesmo a apresentar sinais de ansiedade e medo.”
A ideia inicial era fazer apenas um folheto, em PDF, para distribuição gratuita no site da Ego Editora, com o texto e duas ou três ilustrações. “À medida que fomos trabalhando o texto e as ilustrações, tornou-se evidente que faria mais sentido fazer um verdadeiro livro infantil digital, também ele gratuito, com mais páginas e mais ilustrações, para que a experiência de leitura fosse proveitosa, tanto para pais como para crianças, e que ajudasse a passar da melhor forma a mensagem.”
A enfermeira diz, assertivamente: “Este livro não é para ser vendido. De todo. A ideia foi sempre que esta história pudesse chegar gratuitamente a toda a gente. Não faz sentido cobrar por uma ferramenta de educação para a saúde. E felizmente o Tiago (ilustrador e editor) é da mesma opinião.”
Inicialmente, apresentaram o projecto à Direcção-Geral da Saúde (DGS) “e tentar que eles patrocinassem a impressão para ser distribuído gratuitamente a todas as crianças do pré-escolar e 1.º ciclo”. Como não obtiveram resposta da DGS, decidiram avançar sozinhos. “Combinámos que faríamos o e-book e que o colocaríamos numa plataforma digital onde pudesse ser descarregado gratuitamente.” Entretanto, o PÚBLICO e a Multicare associaram-se à iniciativa.
Carmen Garcia, cujas crónicas semanais são publicadas no suplemento P2, ao domingo, termina: “Este é um livro que ajuda a fazer aquilo que acredito que precisamos urgentemente de conseguir: combater a desinformação desde tenra idade. Numa época em que somos constantemente bombardeados com notícias falsas e teorias surreais e anticientíficas, é importante que consigamos dar aos nossos filhos, obviamente que de forma adaptada à idade deles, informação credível e cientificamente validada. Eles têm de perceber que os vírus existem na natureza, que há comportamentos que efectivamente previnem a sua propagação e que a ciência trabalha diariamente a nosso favor e as vacinas contra a covid-19 são uma prova disso mesmo.”
Cor de “monstro animalesco”
Tiago Leal pintou o vírus de verde e não com a cor “oficial”. “Nas várias pesquisas que fiz antes de começar este trabalho, encontrei muitos desenhos do vírus feitos por crianças e a grande maioria estava pintada de verde. Possivelmente, será porque muitas delas o imaginam como um monstro animalesco assustador e foi um pouco isso que tentei reproduzir.”
Com uma experiência anterior de trabalho com a autora num outro livro destinado às crianças, Uma Lição de Amor , o entendimento mútuo quanto às imagens foi fácil: “Ela já conhecia e estava à vontade com o meu tipo de ilustrações. Durante a execução, fomos falando e trocando impressões como o fazemos em cada livro, desde os rascunhos até à arte final, para que o resultado agrade a ambos.”
“A preocupação com a inclusividade é algo que consideramos em todos os projectos que desenvolvemos. A sociedade é muito variada e, sendo cada livro um espelho (pelo menos em parte) da sociedade, tem de a representar tal como ela é. Neste caso então, sendo este vírus bastante democrático, afectando pessoas de todas as origens e idades, só faria sentido que assim fosse”, acrescenta o ilustrador.
Chegar ao maior número de crianças
Propositadas são também as imagens “coladas” ao texto, a espelhar tão-só o que é dito: “A intenção foi que as ilustrações fossem muito fiéis ao texto e lhe dessem força, sem subterfúgios ou distracções. A intenção do livro não é tanto entreter, mas sim informar. Essa é a base de todo o livro e não quisemos afastar-nos dela.”
Tiago Leal costuma preferir desenhar a lápis e depois colorir a aguarela, “como neste livro não havia tempo para isso, optei por desenhar e colorir directamente no computador, usando uma mesa digitalizadora”.
Enquanto editor, qual o interesse/mais-valia de publicar um livro como este? “Na Ego, sentimo-nos convocados a contribuir, de alguma forma, para amenizar os efeitos terríveis desta pandemia, apesar de também nós os sentirmos, particularmente na dificuldade em vender os nossos livros, agora que as livrarias estão fechadas”, começa por explicar. E acrescenta: “Publicar um livro dirigido a crianças, de distribuição gratuita, escrito por uma autora que tem uma grande influência junto das mães de crianças pequenas pareceu-nos a forma ideal de podermos utilizar o nosso trabalho em proveito da sociedade. A gratuitidade de todo o projecto foi sempre crucial, já que a ideia é mesmo chegar ao maior número de crianças, independentemente da sua condição económica.”