O Sonho do Corona: como uma mãe explicou o vírus às filhas
Nesta história não há maus. Mas, com uma linguagem infantilizada, procura-se explicar o novo coronavírus aos mais novos, dando-lhes ferramentas para que se protejam.
Começou por ser uma história para uma mãe explicar o vírus às filhas, transformou-se num livro digital ilustrado e, agora, corre em forma audiovisual. E, pelo meio, já foi traduzido em oito línguas. Mas, antes de lá chegar, nada como começar pelo princípio, como, aliás, grande parte da literatura infantil, cujo dia mundial se assinala esta quinta-feira.
Maria Dantas Gouveia sempre quis explicar às duas filhas, de 11 e (quase) 3 anos, o mundo dos adultos com palavras que as duas entendessem. Não o mundo dos adultos, antes as partes do mundo dos adultos que, sem opção, invade as esferas infantis das pequenas. Foi assim que nasceu esta história, com uma realidade infantilizada para que as meninas, sobretudo a mais nova, compreendessem por que não podiam ir à escola, nem a lado nenhum. “Quando não há escola, vamos passear, ao parque, à praia; no dia-a-dia, vão comigo ao supermercado. E, de repente, até isso passou a estar proibido.”
A sua história, que discorre sobre o Corona que queria conhecer o mundo, andando de mão em mão, teve o efeito desejado nas crianças da casa. E, por isso, Maria decidiu partilhar, no seu Instagram e Facebook, esta versão da realidade com os seus amigos para que estes a usassem com os seus próprios filhos. Mas, como tudo o que cai nas redes sociais, a publicação ganhou vida própria — até chegar a Joana Araújo Espiñal, artista, ilustradora e fundadora da Até à Lua, um espaço dedicado a famílias com crianças pequenas, que organiza actividades, que, entretanto, pararam.
“Noutra altura qualquer, se calhar não teria dado conta, mas com o tempo em casa e sem actividades organizadas em agenda, quando olhei para a história percebi: ‘está a apetecer-me desenhar’”, recorda Joana, que aproveitou a publicação que encontrou para perguntar pela autoria. Seria assim que Maria acabaria por a encontrar e ser surpreendida pela proposta de ter a sua história ilustrada.
Antes, porém, determinou algumas exigências. A primeira: “O Corona nunca poderia ter um ar mau ou assustador.” E faz sentido, tornar um vírus com efeitos tão nefastos em algo bom, pergunta o PÚBLICO. Para Maria Dantas Gouveia, bióloga de formação, faz todo o sentido: “Não existem vírus maus; os vírus não têm uma consciência, apenas tentam sobreviver, replicando-se e, nesse processo, podem provocar efeitos adversos.” Por isso, pediu que não assumisse a cor vermelha, que “em ciência representa perigo”. E, mais importante, explica, não era sua intenção criar medo nas crianças em relação aos vírus e às bactérias. “Há uns que têm funções importantes”, frisa.
Outra exigência foi que a história mostrasse gente de todas as nacionalidades, cores e credos, mas também que mostrasse que o mesmo tanto pode afectar zonas ricas como pobres. E, por fim, o rei teria de ter barba — é que para a filha de Maria reis sem barba são só príncipes.
Entre o terem chegado a acordo e os desenhos estarem prontos passou-se pouco mais de uma semana, algo impossível noutras alturas. “Ia desenhando e mandando o rascunho à Maria, e redesenhando”, descreve Joana, que diz ter sido “um trabalho muito rápido e muito intenso”. “Saiu da vontade de fazer; não soube a trabalho.”
Depois disso, foi uma sucessão de coincidências e bons encontros “virtuais”: o criar o site, o traduzir o livro para várias línguas… E quando pensaram que o livro poderia ganhar uma dimensão áudio, surgiu-lhes a proposta de um amigo com uma produtora em Timor, a Crocfaek, que se voluntariou para fazer um vídeo, que acabaria por ganhar a atenção e financiamento do Instituto Camões, da Embaixada de Portugal em Díli e da Escola Portuguesa na mesma cidade timorense.
Até hoje, as duas não se encontraram fisicamente, mas a história de ambas começou agora uma viagem, espera-se, ainda mais abrangente e democrática do que a do coronavírus. Até porque, diz Maria, esta história tem servido para explicar o vírus aos mais novos, mas também aos mais velhos. E, no futuro, esperam, além de se poderem vir a abraçar, haverá sonhos do Corona em mais línguas e dialectos, com a ambição de criarem uma versão para cegos e uma edição em papel.
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Actualizada a 03/04/2020 (12h50), com informação de mais duas entidades que financiaram o vídeo