Tahar Rahim e Viggo Mortensen nos filmes do deserto

Um escapando ao genocídio arménio, mas abandonado no filme. O outro na Argélia da luta anti-colonial, e a fazer corpo com as rochas.

Fotogaleria
Loin des Hommes Michaël Crotto
Fotogaleria
Loin des Hommes Michaël Crotto
Fotogaleria
Loin des Hommes Michaël Crotto
Fotogaleria
Loin des Hommes Michaël Crotto
Fotogaleria
The Cut
Fotogaleria
The Cut
Fotogaleria
O realizador de The Cut, Fatih Akin Vanessa Maas
Fotogaleria
The Cut
Fotogaleria
Hungry Hearts, de Saverio Costanzo
Fotogaleria
Hungry Hearts, de Saverio Costanzo
Fotogaleria
Viggo Mortensen com o actor francês Reda Kateb em Veneza AFP PHOTO / GABRIEL BOUYS

A longa viagem de um sobrevivente do genocídio arménio perpetrado pelo Império Otomano (estamos na primeira década do século XX): uma personagem interpretada por Tahar Rahim (O Profeta) vai à procura das duas filhas gémeas desaparecidas, e isso leva-o da Síria ao Dakota do Norte, passando por Cuba.

Mas é um simulacro de odisseia, com os habituais figurantes, cenários construídos, panorâmicas e legendas a assinalar a movimentação da produção. E Tahar Rahim é um actor abandonado a solitária pantomima: a sua personagem não consegue ter voz, não porque antes de metade do filme fica sem poder falar (e quando a recupera já é tarde de mais, ninguém o quer já ouvir...), mas porque The Cut (competição) não consegue encontrar-lhe um lugar. Que é o mesmo que dizer: nunca consegue implicar emocionalmente o espectador na sua odisseia.


Em comparação, acaba por ser mais sedutor o percurso de Viggo Mortensen pelo deserto argelino, nos anos 50, em Loin des Hommes, de David Oelhoffen (concurso). É um filme a dois: a personagem de Viggo, um professor numa remota aldeia argelina, e a do prisioneiro que ele tem de escoltar (em pano de fundo, as turbulências entre colonos e colonizados – esta é uma adaptação de L'Hôte, conto de Albert Camus).

Loin des Hommes desenrola pacientemente a sua reafirmação da convenção. Isso confere-lhe uma aridez que rima de forma sugestiva com a paisagem rochosa – e há algo em Mortensen, a sua impassibilidade, a sua opacidade, que faz parte desse quadro. Na verdade, a neutralidade formal de Loin des Hommes (concurso) pode permitir ao espectador projectar nele os filmes que não estão lá, os filmes que podia ter sido e que nunca consegue ser, como, por exemplo, um western.

Hungry Hearts, de Saverio Costanzo (concurso), começa como uma comédia burlesca (um par, Adam Driver e Alba Rohrwacher, conhecem-se numa casa de banho, onde ambos ficam fechados). É um início enganador face ao que depois vai acontecer e daí talvez não, talvez seja uma cena decisiva e cheia de verdade: a personagem de Alva está obsessivamente com o dedo no nariz, porque Adam evacuou, e essa obsessão dela com a pureza vai revelar-se mais do que desestabilizadora, vai revelar-se patológica, no quotidiano do futuro casal com criança.

Vai ser quase um filme de terror. Essa passagem por géneros, e esta conjugalidade a ser engolida pelo thriller psicológico, é qualquer coisa de irresistível que Saverio Costanzo trabalha com dedicação. Mas revela-se bem mais à altura da ambiguidade do que capaz de lidar, sem se aproximar da paródia involuntária, com a explicitação. São habilidades demasiadamente domésticas para ser um Rosemary’s Baby (ainda que vegetariano).

Sugerir correcção
Comentar