Não me lixem, Natal é no interior!
Parece ser mais Natal no interior. Na maioria das aldeias, por se viver muito da agricultura de subsistência e por uma forte proximidade, ainda que exista pobreza, ela é acolhida e não acaba nas ruas.
Esqueçam o litoral, ninguém sonha passar o Natal frente à praia a ouvir o som das ondas e nem o São Nicolau deixa pegadas na areia. Natal é no interior do país. É ver os/as portugueses/as a correr para a aldeia de Cabeça, no concelho de Seia, ou para Pampilhosa da Serra, na esperança de ver um Natal autêntico, longe do ruído dos grandes centros.
Mas quem apreciará estar num centro comercial cravejado de gente, quando pode estar na serra, no monte, na planície, apreciando o frio da época, à lareira? Os preços dos hotéis, nomeadamente os que beneficiam de uma possível queda de neve, são elevados, mas muitas pessoas ainda têm a sorte de ter pais, avós, tios e tias que permitem continuar a viver um Natal como deve ser: no interior de Portugal e com sorte com neve à porta.
É o aroma a enchidos, a filhoses, a couves acabadas de colher no quintal da avó. São as tradicionais desavenças natalícias, é o porta-bagagens carregado com azeite, vinho e dióspiros, à despedida, com energia para aguentar mais um semestre a acordar às 6h para estar no trabalho às 9h. Nesta época, o interior conquista tudo e todos, a ruralidade passa a ser atrativa, sexy, até para os media, que dão maior espaço às temáticas regionais e locais.
É também o regresso de alguns emigrantes, que anseiam por estar com os seus. E quando se chega ao interior, a rotina dos dias é mais leve, mais lenta. Querem um exemplo? Gouveia é uma cidade que permite ter uma piscina quentinha só para si. Basta escolher o horário apropriado. Se subir a serra, encontra uma padaria aberta de madrugada, onde pode comprar pão quentinho ou bolas de carne e bacalhau.
Pode ainda percorrer tascas e tasquinhas e comer uma generosa sandes de queijo da serra e presunto por 2,50€. Há sempre iniciativas culturais, concertos em capelas e igrejas; o madeiro que fica a arder, em algumas freguesias, do Natal até à passagem de ano, convidando a vários dedos de conversa, após as refeições; a Missa do Galo; os mercadinhos de Natal; as exposições de presépios e uma fun run (corrida de pais natais) a 22 de dezembro. Multiplicam-se as atividades natalícias muito mais do que em qualquer cidade do litoral.
Parece ser mais Natal aqui no interior. Na maioria das aldeias, por se viver ainda muito da agricultura de subsistência e por uma forte proximidade, ainda que exista pobreza, ela é acolhida e não acaba nas ruas. De realçar que são várias as instituições e coletividades locais que proporcionam ceias natalícias e conforto a quem não tem nada.
Assim, os ingredientes para um Natal perfeito estão no interior do país. Até os governantes sabem disso, apesar de se esquecerem de quem aqui vive a maior parte do ano. Se percorressem o IP3 mais vezes, sem ser no Natal, perceberiam que a interioridade nem sempre é bela.
Aliás, este texto não é uma apologia do interior como espaço geográfico idílico para se viver. Percebe quem aqui vive, que estar longe das grandes cidades do litoral é estar refém do carro, por escassearem transportes públicos; é saber que qualquer tratamento de saúde mais complexo vai obrigar a deslocações e despesas extra; que os acessos podem ser limitados ou que adorar a paz e o silêncio do interior, pode não significar que ame que os vizinhos saibam mais da sua vida que o/a próprio/a.
Concluindo, ir passar uma semana à casa da Tia Gertrudes que vive na aldeia pitoresca e achar que seria 100% fabuloso viver ali permanentemente, é um engano, mas que é 100% genial no Natal, lá isso é.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990