Louvar os povos guardiães da Natureza
Todos os nossos antepassados eram indígenas e as raízes mais profundas da nossa existência remontam a essa origem. Não nos esqueçamos.
Josep Maria Mallarach, que escreveu o livro que aqui se divulga, sempre teve “admiração pelos indígenas”. Descobriu-os, como muito daquilo que se descobre na vida, através das histórias infantis. Quando adolescente, teve oportunidade de mergulhar “no mundo misterioso dos índios dos bosques norte-americanos”. Não lhe foi suficiente.
“Já adulto, a vida levou-me a conhecer povos indígenas nas estepes árcticas, nos desertos e nas montanhas de África, nas pradarias da América do Norte, nos rios e selvas da Amazónia, nas florestas brilhantes da Austrália”, conta nas primeiras páginas de A Sabedoria dos Povos Indígenas.
Este livro é assim um louvor e testemunho de agradecimento “às comunidades mais sábias e bondosas”, que o autor alguma vez imaginara conhecer.
Começa por lembrar que todos os nossos antepassados eram indígenas e que a eles remontam as nossas raízes mais profundas. Ao jovem leitor, dirige-se assim: “Sabias que há povos indígenas em quase todo o mundo? Eles não se chamam a si próprios ‘indígenas’, mas utilizam outros nomes que frequentemente querem dizer ‘seres humanos’ ou ‘gente verdadeiramente humana.’”
Fica a saber-se que estes povos se distribuem por todos os continentes (excepto Antárctida), habitam em mais de 90 estados e correspondem a entre 500 e 700 milhões de pessoas em todo o mundo.
Estas culturas, “as mais antigas e resilientes da humanidade”, vão conseguindo resistir fiéis às suas tradições e estilos de vida ancestrais. “Vivem noutro tempo, ligado ao ritmo e ciclos da Natureza.” Embora sejam perseguidos, sofram grandes pressões e ameaças, os seus territórios são os que mais bem preservam a integridade, diversidade e beleza naturais.
A sua sabedoria ancestral abarca todas as dimensões da existência, tanto as visíveis quanto as invisíveis. Algumas destas culturas dizem mesmo comunicar “através de sonhos ou telepatia com pessoas que vivem longe ou com os seus antepassados”.
O autor, geólogo, doutorado em Biologia, professor e consultor ambiental, leva-nos a conhecer vários povos, entre eles, Quéchua (Andes, Peru), Kágaba ou Kogui (serra Nevada de Santa Marta, a que chamam “coração do mundo”, Colômbia), Tuaregues (que significa “pessoas livres”, do deserto do Sara), Amazigh/Imraguen (baía de Arguim, Mauritânia), Wodaabe (nómadas do Sahel, Sul do Sara), Ye’pâ masa/Tukano (Amazónia colombiana) e Unangan/Aleut (Alasca).
Investigar para desenhar
Para ilustrar toda esta riqueza de informação e de diversidade, Verónica Fabregat teve de investigar cada uma das comunidades descritas no texto, “para poder desenhá-las correctamente no seu habitat, com as suas roupas e costumes, a natureza que as rodeia”. Considerou essa parte do trabalho “muito bonita e interessante”.
De origem espanhola, a ilustradora, que estudou Desenho e Ilustração, descreve nas páginas iniciais do livro: “Quando estou muito cansada de viajar ou de desenhar, aproximo-me da natureza e ato às árvores, às pedras e às ondas esse fio invisível que nos une ao essencial. Então aparecem novas paisagens, por dentro e por fora, que me inspiram para voltar a pegar nos lápis.”
Um pensamento bastante adequado a um povo indígena.
Pelo caminho de leitura desta obra, comovem-nos breves descrições do que têm em comum os diferentes povos. Desde logo, a ligação com a terra, a que chamam “mãe” ou “avó”, o entendimento de que “a palavra está viva e é sagrada” (mantendo-se como culturas orais e negando-se a fixá-la na escrita), o entenderem que “todos os seres, humanos e não humanos, estão unidos pelo coração” e os métodos que utilizam para resolver conflitos.
Procurar a reconciliação e não a justiça
Detenhamo-nos no exemplo dos polinésios pescadores. O método tradicional de resolução de conflitos chama-se “desenredar a rede”. Toda a comunidade é chamada a envolver-se “através de conversas profundas”. Quando as famílias chegam a acordo, os protagonistas da desavença “devem pedir desculpa publicamente e obter o aval dos membros mais respeitados da sua comunidade, quase sempre anciãos”.
Para “restabelecer a harmonia que o conflito quebrou”, procuram a reconciliação e não a justiça. Assim, tudo se “desenreda” e a paz regressa. Até parece fácil. Ofereça-se este livro aos líderes políticos actuais e de várias latitudes.
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