Os momentos maus não são para sempre: prevenir o suicídio nos jovens

É devastador quando percebemos que um jovem não se sentiu à vontade, receou não obter ajuda ou teve vergonha de pedir, optando por acabar com a vida.

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Quem está a passar por um sofrimento psicológico grande precisa de sentir segurança para pedir ajuda sem recear ser ignorado ou até ridicularizado @petercalheiros
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Com ajuda profissional adequada, a maior parte das pessoas que já pensou ou tentou pôr fim à vida consegue continuar a viver de forma satisfatória. O suicídio é evitável e a identificação precoce do sofrimento aliada à uma intervenção efetiva podem ajudar as pessoas na reconstrução das suas vidas. Trata-se de um tema difícil de ser abordado e que deve ser entendido como um comportamento, não como uma doença mental, embora surja na maioria dos casos associado a perturbações psicológicas, como a depressão e as perturbações relacionadas com o uso problemático do álcool.

No que às crianças e jovens diz respeito, a Fundação Francisco Manuel dos Santos publicou um estudo sobre como vivem e o que sentem os jovens, que chama atenção, entre outros temas, para a vivência emocional de uma amostra de jovens com idades entre os 15 e os 34 anos, residentes em Portugal. Dos 2,2 milhões de jovens que este estudo representa, 23% já tiveram comportamentos ou pensamentos suicidários, 12% infligiram lesões no próprio corpo e 26% já tomaram ou tomam atualmente antidepressivos.

Importa conhecer e estar atento aos fatores de risco pessoais, económicos e sociais, como, por exemplo, os comportamentos autolesivos; os sentimentos persistentes de desesperança e de que está a ser uma sobrecarga para os outros; os momentos de crise ou adversidade em que a pessoa se sente sozinha e incapaz de lidar com a vida; os sintomas depressivos, como a falta de interesse em atividades que antes o despertavam; o isolamento; uma tentativa prévia de suicídio ou um plano; a angústia em relação ao futuro; os problemas financeiros; a pobreza; a solidão; ser vítima de abuso; a discriminação; o consumo exagerado de álcool; a existência de uma doença incapacitante ou grave, entre outros. Muitas vezes, a pessoa não quer morrer, mas sim acabar com o sofrimento e não vê outra saída.

Mas os fatores de proteção também existem e atuam fortalecendo as pessoas e servindo como um amortecedor para as situações difíceis. São disso exemplos uma rede de apoio social estável; ter acesso aos cuidados de saúde psicológica; ser religioso; ter competências de gestão socioemocionais, que podem ajudar a regular os estados emocionais mais extremados e controlar o comportamento impulsivo.

A Organização Mundial de Saúde identificou algumas atitudes eficazes a ter em conta para prevenir o suicídio e incluem limitar o acesso aos meios letais; promover competências de vida socioemocionais nos adolescentes; identificar, avaliar, gerir e acompanhar precocemente qualquer pessoa afetada por comportamentos contra a sua integridade física.

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O suicídio é evitável e a identificação precoce do sofrimento aliada à uma intervenção efetiva podem ajudar as pessoas na reconstrução das suas vidas Getty Images

A aposta na prevenção junto das crianças e adolescentes é essencial. Um ponto de partida consiste no investimento efetivo no aumento da literacia em saúde e doença mental de modo a reforçar os fatores protetores. A intervenção na escola e a articulação com os serviços de saúde mental são muito importantes, tal como a formação de profissionais de saúde, pais, professores e assistentes operacionais dos estabelecimentos de ensino, para que possam atuar junto dos jovens, mostrando a importância do investimento na saúde psicológica para uma vida satisfatória e para que reconheçam sinais de sofrimento em si e nos outros e consigam pedir ajuda sem receio de mostrar fragilidade.

Dada a nossa cultura de estigma em relação ao suicídio, nem sempre as pessoas se mostram abertas para falar sobre o assunto, dividindo-se entre a crítica, o medo de chamar atenção para o tema e a sensação de não saber o que dizer ou fazer. Mas as crianças e os jovens precisam de ouvir da sua rede de pessoas significativas (pais, professores, avós e amigos…) que o sofrimento psicológico pode acontecer a qualquer um, independentemente da idade, situação social ou económica e que não representa uma fraqueza. Sobretudo, vale a pena reforçar que os momentos maus não são para sempre e que existe ajuda possível, não sendo os comportamentos autolesivos a solução.

Os temas relacionados com os efeitos da vergonha em expor os seus sentimentos ou procurar ajuda profissional podem ser abordados através de metodologias ativas, associadas à discussão de mitos, à promoção das competências sociais e emocionais, do autoconceito, da comunicação assertiva e da resolução de problemas, tudo estratégias essenciais para aumentar a capacidade de os jovens comunicarem de uma forma eficaz as suas dificuldades e resolverem mais construtivamente os problemas com que se deparam.

Saber a quem recorrer também pode ajudar o jovem a procurar ajuda mais rapidamente. Refiro-me tanto aos pais e familiares próximos, como aos psicólogos, serviços de pedopsiquiatria hospitalares e enfermeiros especializados em saúde mental.

Os adultos, sobretudo os pais, devem dirigir mais atenção às qualidades dos jovens e reforçar aspectos positivos e esforços, mesmo que pequenos, evitando centrar-se apenas nos fracassos. Isto ajudará a reforçar a confiança nas suas capacidades e a ver nos pais uma base segura a quem recorrer em situação de crise. Ademais, uma relação saudável com os colegas e irmãos, centrando-se nas virtudes e na importância destas relações para a vida, contribui para o sentimento de bem-estar das crianças e jovens.

Dedicar tempo aos filhos e estar atento às suas vivências, através de conversas, sem cobranças, é uma forma de demonstrar afeto que aumenta a proximidade e cria segurança para falar quando algo não está bem. Isto é válido para todo o tipo de dificuldade e ganha uma importância maior nos casos de problemas emocionais.

Alguns pensamentos e comportamentos autolesivos podem traduzir uma dor profunda que é demasiadas vezes desvalorizada e encarada como chamada de atenção. Quem está a passar por um sofrimento psicológico grande precisa de sentir segurança para pedir ajuda sem recear ser ignorado ou até ridicularizado. É devastador quando percebemos que um jovem não se sentiu à vontade, receou não obter ajuda ou teve vergonha de pedir, optando por acabar com a vida. Para quem sofre com este tipo de perda, permanece a incompreensão e a culpa, que podem transformar-se numa dor inimaginável.

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