Quarenta produtores presentes, uma "aposta forte" nas visitas de enoturismo, a novidade das provas rápidas na praça do Município, o reforço da componente gastronómica e a discussão que se impõe em qualquer região mas que calha acontecer no Dão. Face aos desafios actuais que o sector da vinha e do vinho enfrenta, que futuro terá a região? A Feira do Vinho do Dão regressa a Nelas na próxima quinta-feira, dia 5 de Setembro, para quatro dias de "festa". A autarquia, que organiza o certame, espera "30 mil visitantes".
São 40 os produtores de vinho, nesta altura, alinhados para a feira propriamente dita. Ainda há dias, quando a Câmara de Nelas comunicou o evento, eram 39 e até sexta-feira, dia em que abre a feira, esse número ainda pode crescer, já que, garante o autarca local, Joaquim Amaral, a Feira do Vinho do Dão, já na sua 33.ª edição, está “literalmente de braços e portas abertas”.
Esta feira é mesmo uma feira, ou seja, quem lá for pode comprar vinho directamente aos produtores – sexta-feira, das 15h às 22h, sábado e domingo das 22h à meia-noite –, mas também será uma oportunidade para os agentes económicos fazerem contactos com eventuais parceiros de negócios. "É um evento em que tudo gira em torno do produto endógeno que é o vinho, mas que depois aborda tudo o que é a economia relacionada com o vinho, desde logo a questão do escoamento do vinho", nota o autarca eleito pela coligação PSD/CDS. Tão actual, basta olhar ao que se passa "no Douro, na Mealhada ou no Alentejo", nota Amaral. Mas também no Dão, acrescentamos nós – uma reportagem da Antena 1, emitida esta segunda-feira, registava a preocupação de viticultores com a venda das suas uvas este ano, e precisamente em Nelas, onde a crise pode não ter a dimensão dramática que tem no Douro mas também se faz sentir.
A autarquia também quer dar um empurrãozinho ao enoturismo da região e promove este ano várias visitas a produtores que já têm essa oferta, depois de em 2023 ter introduzido, "de forma quase experimental", essa dimensão no programa da feira. A família de Joaquim Amaral sempre produziu vinho, para consumo próprio e venda a granel, e o edil lembra-se que o vitivinicultor tinha de "pagar às pessoas para fazerem a vindima". "Hoje", nota, "as pessoas pagam para ter esse tipo de experiência vínica, para ter uma experiência única que fica na memória". "Temos aí uma oportunidade de negócio", remata.
As Provas Rápidas são então uma novidade este ano: acontecerão na praça do Município, onde também funcionará um "wine bar" até às 2h30.
Olhar para dentro
Ainda antes de os stands abrirem (sexta, às 15h), na quinta-feira, a mesa-redonda "Um Dão: Um Passado com Futuro" (15h) dará um contributo para colocar a região a pensar a região. No Edifício Multiusos de Nelas, os docentes do Instituto Politécnico de Viseu Pedro Rodrigues (engenheiro agronómo) e e Pedro Adolfo (historiador) farão de moderadores-oradores numa conversa com diferentes especialistas e à qual assistirá o secretário de Estado da Agricultura, João Moura.
Ao PÚBLICO, Pedro Rodrigues levantou o véu sobre aquilo que o preocupa quando o assunto é o futuro da região vitivinícola do Dão. Esse futuro, começa por notar, "dependerá da forma como os stakeholders conseguirão responder aos desafios que já todos conhecem". Recordando, "sustentabilidade, transição digital e alterações climáticas".
O especialista em biossistemas, rega e recursos agrícolas, que está ligado ao Pólo de Inovação de Nelas / Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão (CEVD), destacará duas questões. A primeira é "o stress hídrico [das videiras] e a necessidade de a região começar já a olhar para esse problema". E explica: "vamos começar a ter de regar a vinha, disso não há dúvida, mas será necessário aprovisionar água". Fala da necessidade de construir charcas e desenvolve o seu pensamento: "não sei se conseguimos resolver o problema com infra-estruturas individuais ou se deveríamos estar a pensar em infra-estruturas colectivas, eventualmente com intervenção pública". "Temos de começar a pensar nisso hoje."
A segunda questão que colocará tem que ver com a organização e divisão da região vitivinícola em sub-regiões "feita num contexto sócio-económico muito específico" (como contamos no especial Não há canto de Portugal onde não se faça vinho, as actuais delimitações prender-se-ão com um estudo levado a cabo no final dos anos 1950 a propósito da rede de cooperativas então existentes no Dão), e a que poucos conseguem hoje atribuir sentido. "Tendo em conta o conceito de terroir, aquelas [sete] sub-regiões [do Dão] fazem sentido? Cada uma delas corresponde a um perfil de vinho específico ou apenas a uma geografia administrativa?"
O investigador não será o único a 'provocar' a audiência e a região (Pedro Rodrigues prefere falar em "alertar"). O autarca de Nelas gostava de ver os municípios mais envolvidos com o Centro de Estudos e com o um trabalho que considera vital para a sustentabilidade da vinha e do vinho no Dão.
O CEVD, onde funciona um dos 24 pólos de inovação anunciados pelo governo socialista de António Costa (cinco no sector do vinho) e mais recentemente se instalou um pólo do CoLAB Vines&Wines, fica instalado na Quinta da Cale, mesmo no centro do concelho, e para a requalificação das suas instalações existe um projecto que ainda não saiu do papel. A obra estará subfinanciada e os procedimentos lançados para a executar têm ficado desertos.
"Há dinheiro público e há trabalho de investigação feito ali. Nós não podemos desperdiçar isso", sustenta Joaquim Amaral, que, em declarações ao PÚBLICO, esclarece que a "constituição de um conselho geral" em que tenham assento os autarcas da região e que possa potenciar a atracção de investimento ao Pólo de Inovação de Nelas é para já apenas "uma ideia". Mas uma ideia "com pernas para andar", contando que "haja autorização" da tutela.
Lançada a discussão, e de volta ao programa da feira, o evento contará com workshops de iniciação à prova, uma prova de vinhos feitos por mulheres, conduzida por Tiago Macena, e outra dedicada a monovarietais, essa orientada pela técnica e alma do CEVD Vanda Pedroso (que na mesa-redonda falará sobre património vitícola e sustentabilidade) e pela enóloga Cátia Leitão. De sexta a domingo, haverá chefs a cozinhar e a fazer harmonizações com vinho do Dão no Mercado Municipal, com destaque para a acção "À Mesa no Coração do Dão" (sábado, às 16h), com Diogo Rocha, Henrique Ferreira, Luís Almeida, Nuno Fonte e Paulo Gonçalves.
No sábado, também no mercado, será possível provar os vinhos distinguidos no Grande Prémio Engenheiro Alberto Vilhena, um concurso que acontecerá na quinta-feira e que segundo a autarquia de Nelas tem vindo a receber cada vez mais amostras. A prova será conduzida pelo crítico Luís Lopes.
Camané no encerramento
Na animação cultural, destaque para o espectáculo musical Não Há Bela Sem... um Dão (sexta e sábado, 22h, na praça do Município), para o concerto do fadista Camané (domingo, 22h, no mesmo palco) e para o Espaço Criança (com insufláveis e outras tropelias para entreter os mais novos, de sexta a domingo).
O orçamento do evento ronda os 190 mil euros, com o município a investir "à volta de 160 mil euros" e diferentes parceiros a contribuir com o restante valor, indicou Joaquim Amaral.
A pulseira que serve de bilhete para entrar na feira custa 1 euro; a quem comprar copo para as provas (4 euros) é oferecida a pulseira.
As provas de vinho, as sessões de showcooking e os passeios (Santar e Senhorim) têm lotação limitada e requerem por isso inscrição prévia, com algumas dessas actividades a serem pagas parte (como é o caso da prova com Luís Lopes, que custa 5 euros), através do Facebook. É possível consultar o programa completo da Feira do Vinho do Dão precisamente no Facebook ou no Instagram do evento.