Poucas coisas exemplificam melhor a vastidão dos Estados Unidos do que o facto de Tim Walz, o homem escolhido por Kamala Harris para concorrer à vice-presidência em Novembro, ter sido uma figura quase desconhecida até há um par de semanas em Washington DC e em boa parte do país. Walz, afinal, é o governador de um dos 50 estados americanos, o Minnesota.

Melhor exemplo ainda será o facto de o próprio Minnesota, com mais de cinco milhões de habitantes e um território com duas vezes e meia o tamanho de Portugal, também não ser inteiramente conhecido pelo comentariado – dentro e fora dos Estados Unidos. Conhecê-lo, no entanto, permite compreender Walz.

Não basta colocar o Minnesota no Midwest. Essa vasta região do centro-norte do país, que também abarca o Wisconsin, Iowa, Illinois, Michigan, Ohio, Indiana, Missouri, Kansas, Nebrasca e os Dacotas, é mais complexa que o monólito rural, branco e conservador apresentado recorrentemente no noticiário político. Estados como o Michigan e o Ohio são eminentemente industriais. Cidades como Chicago, Detroit, Milwaukee e Saint Louis têm comunidades afro-americanas numerosas, entre as maiores do país.

Todos os estados da região têm bastiões democratas e feudos republicanos. Vários voltam a estar em disputa nas presidenciais de Novembro e dois deles, o Wisconsin e o Michigan, podem revelar-se particularmente decisivos.

No xadrez do Midwest, o Minnesota é um estado sui generis. Tem uma primeira matriz cultural comum ao Wisconsin e ao Michigan, a dos yankees da Nova Inglaterra que migraram para Oeste, trazendo consigo o espírito comunitário, a valorização da educação pública e a experiência da democracia directa dos town meetings, que hoje já não existem fora do Nordeste dos Estados Unidos, mas cujo legado é visível nos elevados níveis de envolvimento cívico e de participação política local no Minnesota.

Uma segunda vaga migratória veio vincar uma identidade política e social própria: a dos escandinavos, comum ao Wisconsin e aos Dacotas, mas que deixou um legado mais forte no Minnesota. Suecos, noruegueses e finlandeses tendiam a ver o Estado como um garante dos interesse comuns e da liberdade, em contraste com a cultura política dominante noutras regiões dos Estados Unidos, avessa à ideia de uma autoridade central forte.

Com um movimento sindical historicamente forte, sobretudo entre os mineiros escandinavos e eslavos do Norte do estado, o Minnesota chegou a contar com um partido socialista de base agrária e mineira, o Partido Agrário Trabalhista, concorrente dos democratas até 1944, ano em que foi absorvido por estes. Os democratas do Minnesota ainda se apresentam a nível estadual sob a designação de Partido Democrata Agrário Trabalhista (DFL, na sigla inglesa), mantendo até hoje uma inclinação progressista e trabalhista sem grande paralelo no resto do país.

É neste Minnesota, que não elege um Presidente republicano desde Nixon e que apresenta indicadores socio-económicos superiores à generalidade dos seus vizinhos, que surge politicamente, não por acidente, Tim Walz (que nasceu no Nebrasca).

Enquanto congressista democrata por um dos distritos mais rurais e conservadores do estado, entre 2007 e 2019, Walz construiu a reputação de um centrista moderado numa altura em que parte dos bastiões azuis do Midwest guinava à direita com Donald Trump. Eleito governador em 2018, os seus primeiros tempos em Saint Paul foram marcados pela oposição da legislatura estadual controlada pelos republicanos, e pelos protestos e motins raciais desencadeados pela morte de George Floyd, um cidadão afro-americano asfixiado por um polícia branco em Minneapolis, a maior cidade do estado. A gestão desta crise por Walz é criticada pelos republicanos, apesar de, à data, ter merecido o elogio de Trump.

Reeleito em 2022, o segundo acto de Walz é o que começa a erguer o seu perfil nacional.

Com maiorias democratas nas duas câmaras da legislatura estadual, Walz tem feito aprovar e executar uma das agendas mais progressistas da América contemporânea: consagrar legalmente o direito ao aborto no estado perante a revogação do Roe vs. Wade pelo Supremo Tribunal dos Estados Unidos, estabelecer um sistema de baixas pagas por doença e impedimento familiar, impor a verificação obrigatória de antecedentes no acesso às armas e o seu confisco imediato em caso de ameaça à segurança pública, legalizar a marijuana para fins recreativos, proibir iniciativas por parte dos empregadores que inibam a sindicalização, criar um programa de acolhimento para pessoas trans perseguidas noutros estados, fornecer refeições escolares gratuitas até ao 12.º ano e estabelecer para 2040 a renúncia a fontes de energia emissoras de dióxido de carbono, entre outras medidas.

O registo progressista de Walz no Minnesota, que tem detractores no próprio estado, seria dificilmente alcançável noutros cantos do Midwest. A opção de Harris por Walz, por isto e por si só, não garante a conquista dessa vasta parcela interior dos Estados Unidos. Entre os políticos brancos e progressistas q.b. do Midwest e do Rust Belt que estavam na lista de finalistas de Harris, Walz é a escolha que mais agrada à ala esquerda do partido.

Mais que o determinismo geográfico e a soma de quadradinhos no mapa do colégio eleitoral, são as qualidades humanas do candidato democrata à vice-presidência – a informalidade, o humor, o ar de tipo normal, de vizinho do lado –​ que justificam uma aposta arriscada, só compreensível no quadro da urgência de uma campanha que tem apenas três meses para dar a volta a um cenário eleitoral adverso.

Até aqui, as sondagens dão razão a Harris. Para a frente, e apesar da euforia democrata, não se fazem apostas. Sabemos agora de onde vem Walz, não sabemos ainda para onde vai.