Luísa Ducla Soares e o receio do primeiro dia de escola
A escritora recordou a sua entrada na escola para criar uma história sobre esse momento decisivo na vida das famílias.
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“O João pôs-se a pensar: as aulas vão começar, mas será que vou gostar?” Esta é uma preocupação de muitas crianças quando se aproxima o dia de entrar na escola pela primeira vez. Luísa Ducla Soares quis ajudar com este livro a combater essa ansiedade.
“A entrada na escola tem uma importância decisiva na vida das crianças. Um livro que abra portas a uma entrada bem-sucedida vai ao encontro não só da problemática das crianças, mas dos pais e dos próprios professores, com quem procurei trocar muitas experiências”, conta ao PÚBLICO, via email, uma das autoras portuguesas mais consagradas no segmento da literatura para a infância.
Para criar esta história breve, recorreu às suas próprias memórias e receios: “Instintivamente, recordei o meu primeiro dia de aulas num colégio inglês, língua que desconhecia, num edifício que nunca vira, de roldão com muitos miúdos desconhecidos, que só tinham de comum comigo o uniforme. Escapando a uma professora disciplinadamente rígida, escondi-me no vestiário, a chorar, por trás dos casacos.” Não foi propriamente um início feliz…
“É fundamental a preparação para esta data marcante, preparação que começa com a família, por vezes, ansiosa em relação à nova etapa que se vai abrir. Os professores empenhados têm bem consciência do papel que eles próprios desempenham.” Cada vez têm mais noção “da importância da empatia, da intimidade afectuosa com o meio escolar para que o ingresso constitua o primeiro de muitos dias felizes e com sucesso pedagógico”, acredita Luísa Ducla Soares.
O protagonista debate-se com a dúvida sobre se irá apreciar esta nova fase da sua vida, mas a pouco e pouco vai evoluindo, até exclamar, lá mais para o fim: “Da escola estou a gostar/ e amanhã quero voltar.”
A escritora, que assina títulos muito reeditados como Tudo ao Contrário ou Abecedário Maluco, descreve: “A meia dúzia de livros que publiquei nesta colecção é toda em verso, que me parece uma das melhores formas de comunicar com leitores que não sabem ler e fixam, vivem a sonoridade, o ritmo das palavras.”
Cores garridas e misturadas sem organização
Todos têm ilustração de Sandra Serra, que nos faz saber: “O primeiro contacto que tive de uma editora, em 2005 (em outro mundo e outra vida), foi para ilustrar um texto da Luísa Ducla Soares. A Carochinha e o João Ratão, Editora Civilização. Uma prenda, um privilégio e um grande incentivo para a minha carreira.”
Com ela, encontra pontos comuns: “A Luísa escreve como eu procuro ilustrar. Com humor, leveza, ritmo, movimento, verdade e ao mesmo tempo com muita ilusão.”
Sobre o processo de trabalho, Sandra Serra revela: “É muito intuitivo. Penso que, por não ter tido nenhuma formação académica, nunca me impus nenhuma regra, ‘pré-conceito’. A minha forma de ilustrar resulta simplesmente de tudo o que fui consumindo e vivendo ao longo do meu percurso de trabalho e de vida. Nasci em África e cresci no Brasil, o que me trouxe as cores garridas e misturadas sem qualquer organização. Não faço paletas prévias de cor. Vou aplicando as cores conforme me fazem sentido.”
Foca-se inicialmente na ideia e no ambiente que autor e ilustrador querem transmitir com a narrativa, para depois rabiscar e rabiscar até chegar à imagem que imaginou. “Por fim, dou-lhe vida com as cores. Simples assim.”
Conta ainda que tem dois registos, o de quando “trabalha” e o de quando “brinca”. “Quando estou a ‘trabalhar’, com prazos e objectivos específicos, gosto de pintar com ferramentas digitais. É mais limpo, mais rápido e dá-me mais liberdade. É o caso deste livro e de praticamente todos os que tenho editados.” Quando está a “brincar”, a ilustrar/pintar apenas por prazer, gosta de experimentar todos os materiais. “Sujar-me o mais possível. Um dia destes, vou dedicar-me só a brincar...”, anseia.
Sobre ela, diz Luísa Ducla Soares: “É especialmente vocacionada para aliciar as crianças desta faixa etária, pelo traço, pela cor, pela sensibilidade, pelo humor.”
Esperamos que quem se estreou neste ano lectivo tenha tido uma experiência mais feliz do que a da escritora. No entanto, para ela, só correu mal no início. Ainda hoje gosta de ir à escola, onde continua a partilhar as suas histórias com os mais novos. Mesmo quando tem de ser “apenas” por videoconferência.