Em defesa da amamentação

Regra geral, a sociedade falha na promoção da amamentação, um gesto simples que tem impactos extraordinários na saúde infantil, mas também na saúde mental e física da pessoa que amamenta. Começa nesta segunda-feira mais uma semana de sensibilização para a importância do aleitamento materno.

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"Olha-se com desconfiança para famílias que optam por amamentar os seus filhos de forma respeitada" DR

Amamentação: 90% determinação, 10% produção de leite. A frase não é minha, nem sei se é verdadeira, mas reflete a realidade que existe no nosso país e as experiências que a maior parte das famílias vive.

Para que uma criança portuguesa seja amamentada em exclusivo durante seis meses, e continue até querer desmamar, tem de fazer uma verdadeira corrida de obstáculos. As barreiras começam na sociedade e nas experiências terríveis e sem contexto que geralmente se perpetuam de geração em geração. E que continuam, e são muito ampliadas, nos cuidados de saúde — desde os hospitais onde as pessoas escolhem ter os seus filhos, aos centros de saúde que os vigiam e acompanham para o resto da vida, sem excluir todos os outros profissionais de saúde que, por este ou aquele motivo, têm contacto com o lactente ou a lactante.

Regra geral, a sociedade falha na promoção da amamentação, um gesto simples que tem impactos extraordinários na saúde infantil, mas também na saúde mental e física da pessoa que amamenta.

Isto é aquilo que qualquer profissional certificado em amamentação vê todos os dias. Somos diariamente procurados por famílias que já foram humilhadas, rebaixadas ou denegridas — muitas vezes apenas e só pela opção de amamentar em exclusivo para lá dos seis meses. Frequentemente, o abuso de que a família é alvo começou na gravidez, intensificou-se na experiência de parto, e prolonga-se na caminhada da amamentação.

Olha-se com desconfiança para famílias que optam por amamentar os seus filhos de forma respeitada, isto é, que deixam que a criança guie o seu próprio desmame, em função do seu crescimento e desenvolvimento.

Muitos profissionais de saúde acham, inclusivamente, que isso é traumatizante para a criança. Não é. Está, aliás, em linha com as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), que aconselha a amamentação durante pelo menos 24 meses, com inequívocos benefícios para lá desta idade.

A lei portuguesa não está alinhada com estas recomendações. A nenhum nível. As licenças parentais são curtas (e qualquer prolongamento tem penalização monetária para a família) e existem entraves desnecessários no sistema, como a apresentação periódica de declarações de amamentação. Uma declaração que o próprio Serviço Nacional de Saúde classifica como um sinal de doença, e uma condição que muitos clínicos consideram um capricho da pessoa que amamenta, um “vício” vazio de benefícios. Muitas famílias sofrem para obter estas declarações. Do lado das empresas, o estigma continua e existem muitas vezes entraves para que a pessoa que amamenta possa usufruir dos seus escassos e básicos direitos.

O que podemos, então, fazer?

É fundamental começar por reconhecer que há muito espaço para melhorar. Desde logo, urge repensar a formação dos profissionais de saúde. Facilmente se perpetua a cultura de desmame e de desvalorização da amamentação, muitas vezes por ignorância e desconhecimento.

É preciso investir em formação em ciência da lactação, algo que geralmente fica de fora dos currículos dos profissionais de saúde e que certamente tem impacto nas taxas de amamentação em Portugal. Além de os dados disponíveis serem escassos e datados, os números ficam muito aquém do desejável para uma sociedade mais desenvolvida, saudável e até sustentável.

É mais do que tempo de cumprir com o Código Internacional de Marketing dos Substitutos de Leite Materno, um documento composto pela OMS há mais de 40 anos e que, no nosso país, nunca foi de facto aplicado ou valorizado.

Numa altura em que as notícias nos dão conta dos constantes atropelos à saúde da mulher, a amamentação constitui-se como (mais) uma área que é fundamental salvaguardar. Começa nesta segunda-feira mais uma semana de sensibilização para a importância do aleitamento materno. Cabe a cada um de nós dar significado a estas campanhas, apoiando, ajudando, informando e promovendo a amamentação ou a pessoa que amamenta. Ganha a criança, a família, mas, acima de tudo, ganhamos todos enquanto sociedade.

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