António da Silva Monteiro foi “um homem do comércio, da indústria, dos transportes e da cultura”, um filantropo, que também gostava de “meter as mãos na terra” — esteve ligado à obra do Palácio de Cristal e ao projecto dos seus jardins, por exemplo. A Câmara do Porto e a Comissão Vitivinícola da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV) vão prestar homenagem ao político portuense da segunda metade do século XIX, com a edição, em 2023, de um livro comemorativo dos 200 anos do seu nascimento.
Qual é a ligação ao Vinho Verde? O palacete que Silva Monteiro mandou construir na rua da Restauração é sede da Comissão Vitivinícola desde 1944. Aquela que hoje é a Casa do Vinho Verde “foi considerada a mais bela residência do Porto por Pinho Leal nas décadas finais do século XIX”, contou, esta segunda-feira, Joel Cleto, que coordenará o projecto do livro.
O historiador voltou a falar sobre a vida e obra deste “brasileiro de torna-viagem” e sobre o bonito palacete no arranque das comemorações de uma dupla efeméride: os 114 anos da demarcação da Região dos Vinhos Verdes e os 200 anos do nascimento do antigo proprietário do Palacete Silva Monteiro.
Nascido em Agosto de 1822, numa família que “estava muito envolvida com os ideais que defendiam um regime assente numa constituição e num parlamento”, com a regência de D. Miguel e o absolutismo, o jovem Silva Monteiro viu-se obrigado a emigrar com o avô e o pai para o Brasil. “Por causa dos ideais liberais, os negócios não lhes corriam bem cá”, explica Joel Cleto.
Fez fortuna por lá e criou uma empresa que manteria (e reforçaria) mesmo depois de regressar a Portugal.
Usou parte do seu dinheiro na “actividade benemérita”, apoiando a construção de escolas em Lordelo do Ouro e Miragaia, foi presidente dos Bombeiros Voluntários do Porto, criou albergues e financiou obras da Misericórdia, cujos órgãos chegou a integrar. Uma filantropia que lhe valeu então os títulos de visconde (1871) e, mais tarde, conde (1875), atribuídos pelo rei Luís I.
Chegou a ser vice-presidente do Município portuense, investiu na linha férrea entre a Invicta e a Póvoa de Varzim, investiu também na Companhia Aurifícia, foi presidente da Associação Comercial do Porto e liderou os esforços da Sociedade Promotora do Palácio de Cristal. Foi, de resto, nestes dois últimos papéis que mais se destacou.
Enquanto homem forte do comércio da cidade, “teve um papel importante no espoletar da construção do Porto de Leixões”, apesar de já não o ter visto nascer. E para a obra do Palácio de Cristal chamou o arquitecto paisagista Émile David, que desenhou o jardim que dá as boas-vindas a quem ali chega (e que foi recentemente requalificado). Da sua “paixão pela jardinagem e pela horticultura” há outro importante testemunho do outro lado do rio, em Vila Nova de Gaia, conta Joel Cleto: “Na quinta da Lavandeira, [Silva Monteiro] desenvolveu um enorme e belíssima estufa. Quando estiver reabilitada estaremos perante uma das mais destacadas estruturas da arquitectura do ferro. É uma peça notável”.
Parte do dinheiro meteu então no bonito palacete onde funciona hoje a sede da CVRVV e que tem vindo a ser restaurado pelo Curso de Conservação e Restauro da Universidade Católica do Porto. Investiu “numa casa vistosa”, numa “época de revivalismos”, lembra Joel Cleto. E na arquitectura do palacete da Restauração vê-se isso mesmo: o neogótico, mas também muito eclectismo, “misturando diferentes estilos”.
Na clarabóia que ilumina a escadaria principal da casa — “a mais bela clarabóia da cidade do Porto” —, “vêem-se motivos pintados que mostram Belém, Miragaia, o Rio de Janeiro e a baía de Guanabara”, os locais que marcaram a vida de Silva Monteiro.
Já no século XX, foi em Agosto de 1944 que a CVRVV adquiriu “à família Veloso de Araújo o palacete que havia sido do Conde Silva Monteiro”. A Comissão tinha tido a sua primeira sede na então Travessa da Fábrica (cujo nome se devia à Fábrica de Tabaco do Porto, que ali existia), hoje rua de Aviz. Mas, “no início dos anos 1940, a travessa e o palacete onde ficavam os escritórios da CVRVV foram destruídos”, para construir o Hotel Infante Sagres, uma obra promovida pelo famoso industrial à época Delfim Ferreira.
Não é a primeira vez que Joel Cleto guia os interessados pelo notável palacete da rua da Restauração, agora terá de aprofundar a sua pesquisa. Estas e outras histórias estarão certamente no livro que aí vem.