Francisca van Dunem: “Se pudesse mudar alguma coisa, seria ter um pouco mais de killer instinct”
A ex-ministra da Justiça de António Costa não tem dúvidas: o que considera ter sido a sua maior realização foi ter sobrevivdo “sem rancor nem ódio”, não se deixando “perseguir pela infâmia nem envenenar pelas memórias”.
Qual a sua ideia de felicidade perfeita?
A felicidade é um estado de alma passageiro. Perfeito é anteciparmos, no momento, a eternidade.
Qual é o seu maior medo?
Que a falta de compaixão, a irresponsabilidade e a superficialidade tenham chegado para ficar.
Na sua personalidade, que característica mais a irrita?
A dificuldade em dizer “não”.
E qual o traço de personalidade que mais a irrita nos outros?
A cobardia moral; a ideia do monopólio da virtude.
Que pessoa viva mais admira?
Minha mãe, na lucidez e serenidade dos seus 99 anos, apesar de tantas descidas aos infernos...
Qual a sua maior extravagância?
Espreitar o mundo, em viagens.
Qual o seu estado de espírito neste momento?
Andante, expectante, mas optimista, malgré tout...
Qual a virtude que pensa estar sobrevalorizada?
O mérito, elevado a critério asséptico e único de progressão social, como descrito por Michael Sandel.
Em que ocasiões mente?
Quando a verdade magoa gratuita, desnecessária e desmesuradamente.
O que menos gosta na sua aparência física?
Alguns sinais de um tempo novo que chegou e que se instalou sem aviso prévio, sem autorização, nem compaixão, com o ar de certeza de que vai perdurar.
Entre as pessoas vivas, qual a que mais despreza?
Com tanto ódio, embuste e impostura à solta, acham que a escolha é fácil?
Qual a qualidade que mais admira numa pessoa?
Integridade, coragem, genuinidade e empatia.
Diga uma palavra — ou frase — que usa com muita frequência.
Muito obrigada!
O quê ou quem é o maior amor da sua vida?
Amor firme, amor grande, amor maior. No maior amor cabem muitos: Antónia, minha mãe; José e José, meu irmão e meu filho; Eduardo e João, meu marido e meu irmão.
Onde e quando se sente mais feliz?
Reinventando mundos, na alegria da música e na liberdade da dança.
Que talento não tem e gostaria de ter?
Fingir ser quem não sou.
Se pudesse mudar alguma coisa em si o que é que seria?
A redução dos níveis de inquietação interior: um pouco mais de killer instinct.
O que considera ter sido a sua maior realização?
Sobreviver sem rancor nem ódio, não me deixando perseguir pela infâmia nem envenenar pelas memórias.
Se houvesse vida depois da morte, quem ou o quê gostaria de ser?
Uma mulher tranquila numa sociedade de iguais.
Onde prefere morar?
Nos meus muitos “países ideais” de que falava [Marcel] Proust.
Qual o seu maior tesouro?
A memória de uma infância às portas do paraíso.
O que considera ser o cúmulo da miséria?
A total ausência de compromisso com a verdade, a falta de empatia e de compaixão.
Qual a sua ocupação favorita?
Arrancar ervas daninhas, dar força às plantas e vida às flores — no jardim, claro.
A sua característica mais marcante?
A paciência, quase infinita.
O que mais valoriza nos amigos?
A lealdade, a constância, o cuidado.
Quem são os seus escritores favoritos?
Decisão difícil..! Jorge Luis Borges, James Baldwin, J. M. Coetzee, Silvina Ocampo, Jonathan Franzen, Elena Ferrante e Pessoa, sempre.
Quem é o seu herói de ficção?
O que não cala nem se omite por sentido de oportunidade; o que arrisca nome, reputação e vida para fazer o que é justo, num momento crítico: Atticus Finch, de Não Matem a Cotovia; Tom Joad de As Vinhas da Ira.
Com que figura histórica mais se identifica?
Coretta King.
Quem são os seus heróis na vida real?
Os que não têm voz. Os que não têm lugares para disputar, egos para acariciar ou múltiplas alternativas de vida para sofrerem com a angústia da escolha...
Quais os nomes próprios de que mais gosta?
Os que se usavam antigamente, simples, limpos de pretensiosismo: José, João, Eduardo, Manuel, Ana, Teresa, Luísa, Isabel, estas todas Marias.
Qual o seu maior arrependimento?
No regrets.
Como gostaria de morrer?
Nunca aos poucos. Adormecida, de preferência na cama e não no bosque.
Qual o seu lema de vida?
Não sofrer antecipadamente as possíveis frustrações e tragédias.