Fonseca Bin 27, o vinho do Porto “para o dia-a-dia” faz 50 anos

É o Porto mais vendido nos EUA, importantíssimo para a Fonseca e ainda hoje referência no sector. Tem histórias lindíssimas, como conta David Guimaraens.

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O Bin 27 nasceu para ser bebido no dia-a-dia. DR

É um reserva jovem, encorpado e com fruta rica, que tem as características de um Porto vintage mas que custa muito menos do que um vintage (tem um PVP de 14,50 euros). É o vinho do Porto mais vendido nos EUA e ainda hoje é a referência no sector quando se fala em Ruby Reserva.

Foi há 50 anos que Bruce Guimaraens e o sócio Alistair Robertson entenderam que seria interessante criar um vinho do Porto para ser bebido no quotidiano. Os especialistas e críticos podem não lhe dedicar muitas linhas mas é um grande vinho que toda a gente pode beber e para a Fonseca é uma espécie de cartão-de-visita. Mais: é o sustento de muitas famílias do Douro, a quem a marca estabelecida em 1815 compra uvas para fazer este vinho das categorias superiores.

Foi promovido com grande criatividade logo nos primeiros anos de vida, como nos conta David Guimaraens, sexta geração da família Fonseca Guimaraens e responsável pela enologia do grupo The Fladgate Partnership, que detém a marca. Bin 27 é o nome da cafurna — unidade de envelhecimento nas garrafeiras de vintages nas caves de vinho do Porto — onde Bruce, enólogo e uma lenda no meio, falecido em 2002, foi buscar a matéria-prima para este Reserva “de excepcional qualidade mas que é engarrafado para ser bebido no dia-a-dia”, conta David, que ainda se lembra de estar com o pai Bruce à mesa a pintar o “rótulo” da garrafa.

“Eu tinha para aí seis anos. E a primeira garrafa de Bin 27 que ele trouxe para casa era pirogravada. Lembro-me tão bem de estar à volta da mesa de jantar a pintar com pincel a primeira garrafa. Ainda tenho essa mesa. Foi para aí em 1971, eu era um cachopo”, partilha o enólogo sobre “um vinho cheiíssimo de histórias”.

Nos anos 1960 e 1970, conta, dois vinhos “marcaram a diferença no mercado do vinho do Porto": o Late Bottled Vintage da Taylor's (hoje do mesmo grupo) e o Bin 27 da Fonseca. “Em miúdo, o meu pai passava seis meses fora de casa a vender o vinho do Porto. E recordo-me de uma campanha muito gira”. Bruce Guimaraens resolveu patrocinar o velejador John Ridgway numa regata que deu a volta ao mundo em 1977. Como? “John Ridgway foi um dos primeiros a fazer a volta ao mundo num barco à vela e o meu pai patrocinou essa viagem dando garrafas de Bin 27 para ele ir bebendo na viagem. Em cada porto, ele tinha uma nova remessa à espera”. O patrocínio não se destinava só a fazer mais feliz o capitão do iate Debenhams. Cada entrega era acompanhada de uma carta com coordenadas da nova paragem do velejador. Depois de esvaziar uma garrafa Ridgway lançava-a ao mar, “quem a encontrasse tinha direito a três garrafas de vinho do Porto de borla”. Algumas destas garrafas de Bin 27 só deram à costa “muitos anos depois”. Como a garrafa era pirogravada, “preservava lindamente a marca”.

Noutra ocasião, Bruce Guimaraens quis produzir, e produziu, a maior garrafa de vinho do mundo. Uma garrafa de 97 litros que foi a leilão em Nova Iorque. Os proveitos reverteram para um projecto de Nova Jérsia que dava apoio a quem sofre com a doença dos pezinhos. “O meu pai era um brincalhão e dizia que para fazer o molde desta garrafa gigante [na Marinha Grande] foi preciso cortar a maior árvore em Portugal.

O Fonseca Bin 27 é um reserva ruby com as características de um jovem vintage, para abrir no dia-a-dia. DR
A garrafa original era pirogravada, uma imagem de marca do sector, de resto. DR
Logo nos primeiros anos, Bruce Guimaraens lembrou-se de acções para o promover com criatividade. DR
O enólogo, pai de David Guimaraens, produziu uma garrafa gigante de 97 litros. Essa garrafa foi a leilão em Nova Iorque.
Cartaz antigo do Bin 27, que deve o nome à "cafurna" onde estava originalmente armazenado.
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O Fonseca Bin 27 é um reserva ruby com as características de um jovem vintage, para abrir no dia-a-dia. DR

O mercado norte-americano é uma conquista mais recente, dos anos 1990, explica David Guimaraens. “Quando olho para um lote de Bin 27 tem de ter as carácter de um vintage jovem. Foi assim para o meu pai e é para mim hoje. E isso foi aquilo por que os americanos se apaixonaram completamente. Gostaram daquela fruta viva que os nossos vinhos do Douro produzem e que é fantástico para acompanhar sobremesas.” Nomeadamente sobremesas à base de chocolate preto e frutos silvestres, detalha a ficha técnica deste Reserva, que a arte do blend torna consistente, ano após anos. “A arte de lotar vinho do Porto de diferentes zonas do Douro e de diferentes anos para produzir um vinho constante. É um Porto seguro”.

Por falar em blend, é preciso falar também, diz David, no provador, tantas vezes esquecido e figura central no vinho do Porto. “Sou eu que faço [o Bin 27] com o provador da Fonseca, o senhor Fernando Meireles, que tem 40 anos de idade. Quando voltei a casa, há 32 anos, o provador era o senhor Mário Araújo que tinha começado a trabalhar com o meu pai em 1961. Quando o meu pai se reformou, o senhor Mário já tinha muitos anos de experiência. Reformou-se há 7 anos. O Fernando assumiu o lugar de provador, já a trabalhar comigo, que na altura já tinha 25 anos de casa”. E assim se passa a arte de geração em geração, também nas caves.

David Guimaraens lembra ainda que “o Bin 27 é muito importante para a sustentabilidade [económica] dos viticultores com quem a empresa trabalha Douro” e refere que, “quando se fala do vinho do Porto, há que saber dar valor [também] aos comerciantes que ao longo da sua história fizeram com que fosse conhecido”. Das vendas da Fonseca, 90% são no/para o estrangeiro e “é essa riqueza que traz o dinheiro de volta para o trabalho duro que é cultivar as vinhas do Douro”. O Bin 27 representa 50% das vendas da marca, que entre os conhecedores é reconhecida pela consistência na qualidade e no estilo dos seus vintages​. Em valor essa fatia sobe para os 65%.

“Não podemos por o vinho do Porto num pedestal, em que só o bebemos nas ocasiões especiais. Nessas devemos bebê-lo, sim, mas temos de o trazer para a mesa, para o beber no dia-a-dia. Esquecemo-nos de o beber”.

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