Farfetch apoia saúde mental dos trabalhadores e quer que projecto chegue a outras empresas
A plataforma de venda de moda de luxo tem vindo a implementar iniciativas em prol do bem-estar dos seus colaboradores. O objectivo é servir de exemplo a outras organizações. O tema será abordado no evento “O Estado da Nação”.
Se, por um lado, o tema da saúde mental está, cada vez mais, na ordem do dia; por outro, continua a ser tabu. Na Farfetch, a multinacional fundada pelo português José Neves, quer contribuir para quebrar este estigma e promover o bem-estar dos seus colaboradores. O objectivo é proporcionar-lhes uma vida melhor e mais saudável, diz. Este será um dos temas do evento anual “O Estado da Nação”, marcado para esta terça-feira, onde além da saúde mental, se vai também temas sobre educação, emprego e desenvolvimento pessoal. O evento, que é digital e gratuito, contará com oradores como o cientista António Damásio, o presidente não-executivo do Goldman Sachs Durão Barroso e a especialista em felicidade Nataly Kogan.
Sobre a recente implementação da estratégia “Positively Living”, a plataforma de venda de moda de luxo pretende contribuir para que os seus colaboradores tenham uma “vida com mais propósito”. Para isso, coloca recursos psicoterapêuticos à sua disposição, ouvindo os trabalhadores através de “listening sessions” e dando-lhes tempo para pensarem neles e nas suas famílias. E, como nenhuma destas iniciativas funciona sem que a liderança saiba identificar e lidar com questões ligadas a transtornos mentais, a empresa tem apostado também na formação dos seus managers.
A ambição vai “para além da Farfetch”, realça ao PÚBLICO Ana Sousa, vice-presidente do departamento People Lifecycle da empresa. “O nosso grande objectivo, no cenário ideal, seria poder tornar isto quase um movimento global”, declara, desejando que outras empresas passem também a olhar para os seus funcionários com outra preocupação. Importa perceber que “se nós estivermos bem connosco próprios, também estaremos bem com os outros”, justifica.
Esta estratégia começou a ser discutida em 2018, mas a pandemia acabou por acelerar o processo dado que as fragilidades associadas à saúde mental ficaram mais expostas. E mesmo agora, volvida a pior fase da covid-19, “a pandemia mental está aqui e é uma realidade”, sublinha Ana Sousa.
Antes de implementar iniciativas concretas, a Farfetch resolveu fazer um estudo longitudinal aos seus cerca de seis mil colaboradores, espalhados pelos diversos cantos do mundo, para averiguar níveis como a ansiedade, a depressão, o burnout ou o impacto do teletrabalho. O objectivo é avaliar os mesmos parâmetros ao longo de um determinado período de tempo para analisar a sua evolução.
Conhecer a realidade
A investigação contou com a parceria da ProChild, uma organização que, apesar de já ter vindo a dedicar estudos à área da saúde mental, nunca antes o tinha feito em colaboração com uma empresa, e com a Universidade do Minho.
Marlene Sousa, a representante da equipa da ProChild, sublinha que o facto de a Farfetch ter recorrido a duas entidades exteriores, que têm estado a trabalhar os dados e que “validaram todos os procedimentos de segurança e confidencialidade”, deu mais segurança aos seus colaboradores para responderem ao questionário online.
Ainda que não tenha causado surpresa, houve uma quebra no número de participantes ao longo das quatro fases do estudo: enquanto na primeira fase, que decorreu em Abril de 2021, participaram dois mil colaboradores, na última, precisamente um ano depois, o número caiu para mil. Marlene Sousa explica que nestes estudos de longo prazo “há sempre desistências” e que a amostra não deixa de ser representativa.
Para mais, os dados foram um importante contributo para a Farfetch passar a “conhecer a realidade” dos seus funcionários, sublinha Ana Sousa. Isto porque, embora os resultados finais só devam estar prontos no final do mês, a empresa foi tendo acesso a algumas estatísticas intermédias que lhe permitiram implementar medidas em prol do bem-estar dos trabalhadores.
Também estes receberam um feedback automático se fosse identificada, pelo questionário, uma sintomatologia elevada de depressão ou ansiedade. Nesses casos era-lhes fornecida uma lista de recursos, quer dentro quer fora da empresa, a que podiam recorrer se pretendessem consultar um profissional especializado.
Promover uma vida “com propósito”
Logo que foi diagnosticado um aumento dos níveis de ansiedade e depressão devido à pandemia, a empresa optou por “democratizar o acesso a consultas de psicologia e terapia” através da plataforma britânica Plumm Health. Além de terem acesso gratuito e ilimitado a terapia na sua língua materna, os colaboradores poderam recorrer a coaching profissional, webinars e conteúdos relacionados com mindfulness.
Outra medida que foi definida, face ao agravamento do stress parental durante os confinamentos, sobretudo quando as crianças foram obrigadas a ficar em casa, foi cobrir mais uma semana de férias por cada semana que pais ou cuidadores tirassem para facilitar a gestão entre a vida privada e laboral. E o dia que antes se podia aproveitar para fazer voluntariado passou a designar-se por “caring day”, servindo como uma pausa para cada um cuidar de si próprio e da família.
Paralelamente, a guerra na Ucrânia também tem levado a Farfetch a organizar “listening sessions” direccionadas especialmente para os seus colaboradores russos e ucranianos. No que diz respeito a estes últimos, as sessões consistem em “estar perto deles, ouvi-los e ajudar no que for possível”, explica Ana Sousa, acrescentando, por exemplo, que a empresa suportou alguns custos associados a viagens e à integração de colaboradores que pediram ajuda para tirar as famílias daquele país.
Com estas iniciativas, a que se juntam outras anteriores, como a licença sabática parcialmente paga para que os trabalhadores possam, a cada cinco anos, “fazer o que sempre gostariam de ter feito”, a empresa quer pôr em cima da mesa o debate sobre a importância da saúde mental. E, acima de tudo, servir de exemplo para a implementação de boas práticas relativas ao bem-estar em contexto organizacional. “Isto não se transforma de um dia para o outro, leva alguns anos, mas é esse impacto, esse legado, que gostaríamos de deixar”, conclui Ana Sousa.