Há cem anos, Fátima ainda chorava as vítimas da gripe espanhola — como Francisco e Jacinta
Duas das crianças que terão testemunhado as aparições de Nossa Senhora em Fátima foram vítimas, directa e indirectamente, da gripe de 1918.
Há exactamente cem anos, uma imagem de Nossa Senhora era benzida na Igreja Paroquial de Fátima, para mais tarde vir a ocupar o lugar principal na Capelinha das Aparições, cuja construção tinha sido realizada um ano antes.
Foi o primeiro 13 de Maio, já sem a presença de Francisco e Jacinta Marto — dois dos três pastorinhos que alegaram ter tido visões de Nossa Senhora, por seis vezes, em 1917 (a terceira era Lúcia dos Santos, que ficaria conhecida como irmã Lúcia e que morreu, em 2005, aos 97 anos).
Os dois irmãos foram duas vítimas da pneumónica que, pelo mundo, afectou mais jovens adultos do que idosos — “55% dos óbitos, tanto com o diagnóstico de gripe ou de doença desconhecida correspondem a indivíduos com idade entre os 15 e os 39 anos”, segundo a revista Medicina Interna — e cujos contornos são, hoje, revividos devido à pandemia de covid-19. Porém, não se situando na faixa etária mais atingida pelo vírus do início do século XX, a má nutrição das duas crianças associada às penitências que ambas praticavam, nomeadamente o jejum, tê-las-á enfraquecido.
Francisco morreu, em Abril de 1919, com dez anos, durante a terceira vaga da gripe espanhola, que terá tido um “curso benigno”, segundo descreve Álvaro Sequeira, antigo chefe de serviço dos Hospitais Civis de Lisboa, na mesma revista (a vaga mais mortífera foi a segunda, entre Setembro e Dezembro de 1918). Ao longo da pandemia, o número de vítimas no mundo e em Portugal é incerto. Porém, aponta-se para que tenham morrido cerca de 136 mil pessoas em território nacional.
No caso de Jacinta, que morreu em Fevereiro de 1920, com nove anos, a pastorinha sofria de pleurisia, uma inflamação da membrana que envolve os pulmões e que decorre, em regra, de uma infecção viral, nomeadamente por uma que causa a pneumonia — terá sido, assim, especula-se, uma vítima indirecta da pandemia de 1918.
Francisco e Jacinta Marto foram beatificados pelo Papa João Paulo II, durante a visita deste ao santuário, em 2000, altura em que foi revelado o terceiro segredo. Dezassete anos depois, por altura do centenário das alegadas aparições, coube ao Papa Francisco a canonização dos dois irmãos, que se tornaram nos mais jovens santos não-mártires na história da Igreja Católica.