Agora Escolha, o primeiro voto das nossas vidas
Não era uma série, mas foi o baú de onde saíram muitas das séries que marcaram a nossa infância e adolescência. O primeiro programa interactivo da televisão portuguesa antecipou o futuro. Quem diria que houve uma espécie de Netflix nos anos 1980.
Podia ter escolhido As Aventuras de Tom Sawyer, ALF, Verão Azul, Quem Sai aos Seus, Uma Família às Direitas, Chefe...mas pouco ou até Missão Impossível. Todas estas séries, e outras tantas, me despertam boas memórias, um sorriso nos lábios e as saudades daqueles tempos de uma liberdade despreocupada que só as crianças têm. É certo que muitas destas séries memoráveis para quem cresceu nos anos 1980 e 1990 estrearam na RTP1 e tiveram um dia fixo — os sábados dos Jovens Heróis de Shaolin ou as terças à noite do Dempsey e Makepeace (lembram-se?) —, mas há outro laço que liga muitas destas aventuras televisivas que nos fizeram felizes naqueles anos: quase todas, mais cedo ou mais tarde, passaram pelo grandioso Agora Escolha na RTP2.
As Aventuras de Tom Sawyer Episódio 1 em... por tom_sawyer_portugal
Sei que estou a fazer um bocadinho de batota, porque o Agora Escolha não era uma série. Mas também é verdade que foi o baú de onde saíram muitas das séries que marcaram a nossa infância e adolescência.
Invariavelmente, a seguir ao almoço, surgia no ecrã Vera Roquette, com o simpático ar de “tia queriducha”, como um dia a chamou Nuno Markl. Vera descrevia o menu do dia — “No Bloco A, temos Acção em Miami. No Bloco B, Kung Fu. Agora escolha” — e depois era tempo de votar no programa preferido enquanto víamos As Aventuras de Tom Sawyer, os diabruras de Charlot, os Três Mosqueteiros, o Dartacão ou outro dos muitos programas que ajudaram a encher o Agora Escolha.
Visto de 2016 — em que temos centenas de canais de TV à disposição, o Netflix onde e quando quisermos e streaming para todos os gostos —, o Agora Escolha parece coisa pouca. Mas se pensarmos bem, aquele programa foi o pioneiro da interactividade na TV portuguesa, qual antecessor do Netflix nos anos 1980. Há 30 anos mostrou-nos como podia ser a nossa vida televisiva no futuro.
A par de outros clássicos como o TV Rural ou os Jogos Sem Fronteiras, o Agora Escolha fez certamente parte da infância/adolescência da minha geração. Primeiro, pela longevidade: foram exactamente 1556 emissões entre Outubro de 1986 e Janeiro de 1994, dizem os números da RTP. E depois porque era a fórmula perfeita para aqueles tempos. Imaginem um miúdo numa pequena aldeia, sem cinema, teatro ou biblioteca e onde o clube de vídeo só apareceria uns anos mais tarde. Só havia dois canais (com oferta duvidosa em boa parte do tempo) e, de repente, num deles surge a hipótese de escolher, de dizer eu quero ver isto. É claro que era irresistível. A tudo isto juntava-se ainda a simpatia da apresentadora que até mostrava em directo cartas e desenhos do pessoal e fazia daqueles comentários de quem parece fazer parte da nossa família: “Hoje há menos chamadas. É feriado, devem andar por aí a passear ou então deitaram-se tarde”, diz Vera Roquette, num dos poucos vídeos do Agora Escolha disponíveis no YouTube.
Como muitas coisas dos anos 1980, o Agora Escolha é um fruto do seu tempo e não envelheceu propriamente bem. Ao rever um dos genéricos, senti que aquela guitarra desperta boas memórias mas o melhor que se pode dizer é que é um daqueles genéricos tão maus que se tornam bons. E já nem falo dos camisolões da Vera Roquette, ou dos chumaços nos ombros, porque todos nós temos aquela foto dos anos 1980 que nos envergonha — a minha é uma em que estou vestido de calções e gravata ao xadrez.
Na selecção das séries, também não pensem que era tudo rosas. Pelo menos, para quem tinha (ou desenvolveu) uma particular irritação com o Barco do Amor ou tinha pouca paciência para concertos de Rao Kyao — sim, acreditem, houve um dia em que a escolha era entre a série Modelo e Detective e um concerto do músico português: o YouTube prova que este duelo bizarro não é fruto da minha imaginação.
Mas mesmo que à distância vejamos como o programa foi (também) uma forma de a RTP rentabilizar séries que já tinha passado noutras alturas, temos uma dúvida de gratidão com Carlos Pinto Coelho (o autor da ideia) e Vera Roquette por nos terem introduzido no fascinante mundo do voto. Foram eles os primeiros que nos permitiram escolher A em vez de B, fosse por convicção, pirraça ou simplesmente por naquele dia não estávamos virados para o kung fu.
O preço da escolha era um telefonema (sem valor acrescentado) e, às vezes, um puxão de orelhas da mãe, quando chegava a conta no fim do mês. Um preço, afinal, bem baixo para quem viajou pelo Mississippi com o Tom Sawyer e o Huckleberry Finn; andou de bicicleta com a Bea, o Javi e o Piraña; riu à gargalha com um extraterrestre peludo que gostava de pregar partidas ao telefone. Ou para quem passou tardes a ouvir a voz cómico-irritante da Edith e os comentários insultosos-divertidos do Archie; viveu na casa do Alex e da Mallory; ou fez parte de equipas que salvaram o mundo de várias formas e feitios em missões (quase) impossíveis. “Esta crónica vai autodestruir-se dentro de cinco segundos”...
Este texto é o último desta série