Países intensificam ataques contra os jihadistas, mas com que eficácia?
Estado Islâmico colocou as suas forças nas cidades e mantém capacidade para continuar a financiar a guerra. Face a este inimigo, o reforço da ofensiva aérea pode ter resultados limitados.
Os aviões estão no ar, há uma lista de alvos identificados e, pela primeira vez, há tentativas de coordenação entre os vários países que, do ar, atacam as forças do Estado Islâmico. Mas aumentar os bombardeamentos pode significar pouco contra um grupo que usa cidades inteiras – no Iraque e na Síria – como escudo, que quase não tem adversários no terreno capazes de o combater e que, apesar de estar há mais de um ano na mira da aviação, mantém intacta boa parte das suas fontes de financiamento.
O debate sobre a eficácia da ofensiva aérea – inaugurada em Agosto de 2014 por uma coligação encabeçada pelos Estados Unidos no Iraque, estendendo-se depois à Síria – atingiu o pico em Maio, quando os jihadistas conseguiram, após um ano e meio de combates, conquistar a totalidade de Ramadi, capital da província iraquiana de Anbar, e quase de seguida entraram em Palmira, cidade síria que é Património da Humanidade. A maré mudou nos últimos meses, com as forças curdas a reconquistarem algum terreno perdido, sob a protecção dos aviões da coligação. O Estado Islâmico (EI) sofreu o revés mais importante pouco antes dos atentados em Paris, quando os peshmergas entraram em Sinjar, cidade histórica da minoria yazidi no Iraque, que foi um dos primeiros alvos da fúria assassina dos extremistas.
“Estamos a ganhar território, o Daesh está a perder território”, garantiu o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, ao visitar França que, depois dos atentados de sexta-feira, bombardeou três noites seguidas Raqqa, a cidade que os jihadistas fizeram sua capital. Seguiu-se-lhe a Rússia, que prometeu vingar com mais ataques aéreos o atentado que, a 31 de Outubro, derrubou o avião da companhia Metrojet.
A dimensão do dispositivo bélico contrasta, porém, com a magreza dos resultados anunciados. Uma e outra vez é anunciado que os aviões atingiram centros de comando, campos de treino, armazéns de explosivos. Nesta quarta-feira, o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, que tem uma rede de informadores locais, dizia que as primeiras 72 horas de bombardeamentos franceses fizeram “33 mortos e dezenas de feridos” nas fileiras do EI. “O número limitado de mortos explica-se pelo facto de os jihadistas terem tomado precauções. Nas casernas e nos depósitos de armas só havia guardas”, disse à AFP Rami Abdel Rahman, director da organização.
Os EUA e França garantem que estão a partilhar o máximo de informações sobre os alvos a atingir, para intensificar os bombardeamentos. “Mas se os dados existem, porque não foram até agora atacados esses locais?”, perguntam-se os observadores e os militares russos, que há muito acusam os ocidentais de falta de cooperação.
Uma das respostas prende-se com as apertadas regras de actuação decretadas no início da ofensiva, para evitar ao máximo vítimas civis. “Podemos apertar o cursor um pouco mais [na definição] dos alvos, [mas] por cada inocente morto, criamos dez combatentes”, disse à AFP uma fonte do Governo francês. Têm sido, por isso, poucas as bombas largadas sobre o centro de Raqqa, cidade abandonada por muitos dos seus habitantes, mas onde há ainda centenas de milhares de pessoas. E menos ainda sobre Mossul, a segunda maior cidade do Iraque, conquistada pelos jihadistas em 2014. O New York Times adiantou que os militares americanos conhecem a localização de vários postos de comando na cidade, mas não os atacaram por serem em zonas densamente habitadas ou suspeitarem de que albergam civis detidos, caso do estádio municipal.
Com a porta fechada ao envio de forças terrestres, a tarefa de combater os jihadistas no terreno é entregue a parceiros locais – a Rússia confia no Exército sírio; os EUA nas forças curdas e nos militares iraquianos –, com o apoio de um punhado de forças especiais, que servem de olhos e ouvidos aos aviões. Mas apenas os curdos têm demonstrado capacidade para enfrentar as tácticas de guerrilha e terror dos jihadistas. No entanto, sublinhou à BBC Masrour Barzani, chefe dos serviços de segurança do Curdistão iraquiano, os peshmergas sentem-se relutantes em avançar para territórios que não consideram historicamente seus.
Ainda assim, os EUA estão confiantes na ofensiva lançada pelas Forças Democráticas da Síria, uma coligação de curdos, árabes e cristãos assírios formada em Outubro com o apoio de Washington e que se tem vindo a aproximar de Raqqa. Activistas na cidade contaram à AP que os jihadistas, antecipando a batalha, têm reforçado as defesas da sua capital e impedem a população de fugir.
Atacar o petróleo
Os analistas sublinham que para “conter, enfraquecer e derrotar” o EI (as etapas da estratégia definida por Washington) é preciso muito mais do que “lançar um tapete de bombas”. Urge, dizem, encontrar uma solução para a guerra na Síria, conquistar as populações sunitas que toleram ou se aliaram aos radicais e, talvez mais urgente, cortar-lhes as fontes de financiamento. Na frente militar, este objectivo atinge-se atacando os campos petrolíferos que o grupo controla no Leste da Síria e que, apesar dos bombardeamentos, continuam a render-lhe mais de 500 milhões de dólares por ano, segundo uma estimativa recente.
Também aqui os resultados dos ataques da coligação liderada pelos EUA são limitados – por receios de baixas civis, os aviões não atacavam os camiões-cisterna que transportam o petróleo vendido pelos jihadistas, e os danos nos poços e refinarias eram tão limitados que em pouco tempo os combatentes os punham de novo a funcionar.
No mês passado, o Pentágono reviu a estratégia, lançando ataques que visam deixar inoperacionais as estruturas petrolíferas, sem as destruir totalmente, a fim de que os sírios as possam um dia voltar a utilizar. No mesmo sentido, atacou no domingo uma coluna de camiões-cisterna na província de Deir Ezzor, destruindo mais de uma centena. Na operação foram usados aviões de ataque ao solo e os militares americanos dizem ter lançado panfletos a avisar os motoristas. Já nesta quarta-feira, o chefe das operações russas na Síria, o general Andrei Kartapolov, revelou que os seus aviões receberam ordens para dispararem sobre camiões-cisterna que circulem em zonas controladas pelos jihadistas, acrescentando que, ainda antes destas instruções, foram destruídos 500 veículos.
Se a ofensiva arrisca aumentar o custo de vida da população do Norte da Síria, que depende do crude vendido ilegalmente, a verdade é que terá efeitos mitigados nas finanças do EI, avisa um artigo da Foreign Policy, explicando que é a extorsão, sob a forma de impostos ou de resgates, que mais enche os cofres dos jihadistas – segundo um estudo da Rand Corporation, superou em 2014 os 600 milhões de dólares. “O EI conseguiu criar uma economia de guerra diversa e auto-suficiente que lhe dá os meios necessários para continuar a luta”, garantiu à revista Fawaz Gerges, estudioso do movimento.
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