Guerra dos Anonymous "monta resistência onde antes havia vazio"

Operação contra a presença do Estado Islâmico nas redes sociais levanta dúvidas nos serviços secretos. "Fechar essas contas é deixar a polícia surda e cega em relação a alguns assuntos."

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O grupo diz que já contribuiu para o encerramento de 5500 contas no Twitter DR

Os ataques terroristas cometidos em Paris na sexta-feira da semana passada trouxeram novamente para as listas das notícias mais partilhadas e comentadas as promessas de vingança e justiça feitas pelo grupo Anonymous. Através do seu exército de activistas, que se estende um pouco por todo o mundo, os Anonymous decretaram uma guerra na Internet contra o Estado Islâmico, e na terça-feira já tinham contribuído para o encerramento de 5500 contas no Twitter associadas aos extremistas – o problema é que muitas dessas contas podem ser valiosas para as agências de serviços secretos e, segundo alguns especialistas, na melhor das hipóteses a operação dos justiceiros da Internet pode não passar das boas intenções.

"Fechar essas contas é deixar a polícia surda e cega em relação a alguns assuntos. É importante ter a capacidade de saber se uma determinada conta foi criada em França, outra na Síria ou no Iraque", disse à agência AFP o especialista em segurança informática Olivier Laurelli.

"Se conseguirmos perceber que uma pessoa envolvida num ataque tem uma ligação a outra pessoa, essa informação é importante para a polícia. O Twitter tem sido rápido a encerrar uma enorme quantidade de contas, mas não sei se isso é uma boa ideia", disse Laurelli.

A declaração de guerra dos Anonymous ao Estado Islâmico não foi sequer a primeira deste ano. Logo após o atentado contra o jornal satírico Charlie Hebdo, em Janeiro, o grupo prometeu – e conseguiu – sinalizar milhares de contas no Twitter e encerrar temporariamente centenas de sites ligados aos jihadistas.

Em muitos casos, essas acções não envolvem um elevado nível de sofisticação. Qualquer pessoa pode denunciar uma conta no Twitter que esteja a partilhar conteúdo proibido pelas regras de publicação (no caso do Estado Islâmico, vídeos com decapitações ou apelos a atentados, por exemplo). O que os activistas (ou hacktivistas, por causa da sua ligação à cultura hacker) dos Anonymous conseguem é identificar e denunciar mais rapidamente milhares de contas, por serem muitos e por estarem coordenados, apesar de não haver uma hierarquia definida – no site luckytroll.club, por exemplo, há informações sobre como identificar contas no Twitter aparentemente ligadas ao Estado Islâmico e como partilhar essa informação com toda a comunidade. Depois, essas contas são denunciadas e o Twitter (ou o Facebook, ou o YouTube) faz o resto do trabalho.

O jornalista da BBC Rory Cellan-Jones trocou algumas palavras por email com um utilizador do Twitter que diz ser membro dos Anonymous. Olhando para o caos que os extremistas espalham no terreno na Síria e no Iraque, e para a extrema violência dos atentados em França na sexta-feira passada, a resposta à pergunta sobre qual é o principal objectivo dos Anonymous com a sua Operação Paris, dificilmente poderá ser levada a sério: "Como a #OpParis é uma operação em larga escala, recorremos à nossa motivação, experiência e eficácia para acabar de vez com o ISIS [Estado Islâmico, na sigla inglesa], não apenas na Internet. Não nos vamos contentar com a saída do ISIS da Internet."

Uma das questões mais controversas levantadas pela declaração de guerra ao Estado Islâmico por grupos de hacktivistas (o mais conhecido dos quais é o Anonymous) é a confirmação da identidade dos utilizadores das contas nas redes sociais. Em Fevereiro, durante a primeira grande ofensiva online contra os jihadistas, os Anonymous denunciaram a conta de um dos ideólogos da Frente al-Nusra, um braço da Al-Qaeda e não do Estado Islâmico – e já houve casos em que foram encerradas contas de pessoas que não estavam minimamente ligadas ao extremismo islâmico.

"Uma das formas mais importantes e eficazes para atacar o Estado Islâmico é fomentar divergências entre a Al-Qaeda e o Estado Islâmico. Não denunciar pessoas como ele [o referido ideólogo da Frente al-Nusra] contribui para esse objectivo mais abrangente, mais importante", disse ao jornal britânico The Independent o especialista em contraterrorismo Charlie Winter, da Quilliam Foundation, com sede em Londres.

Mas há uma vertente das operações dos Anonymous contra a presença do Estado Islâmico nas redes sociais que poucos contestam – quanto menos contas com mensagens e vídeos de propaganda na Internet, menor é a audiência para as ideias extremistas.

"A propaganda do ISIS baseia-se na publicação das suas acções. Querem provocar terror com o seu nome, com imagens sangrentas, com vídeos violentos. Não podemos lutar contra eles com armas, mas travar a sua propaganda é uma forma eficaz de enfraquecer o seu poderio e a sua presença na Internet. Perturbar as suas comunicações faz com que lhes seja mais difícil organizar ataques de uma forma fluida", disse à BBC o utilizador do Twitter que diz pertencer aos Anonymous.

Ainda assim, as agências de serviços secretos de todo o mundo, as próprias empresas (como o Twitter ou o Facebook) e milhões de utilizadores que agem em nome individual também monitorizam, interceptam, encerram e ajudam a denunciar milhares e milhares de contas nas redes sociais – como resultado destas e de outras acções, com vários graus de complexidade e de recursos, vários planos de atentados terroristas têm sido descobertos a tempo. O envolvimento dos Anonymous na denúncia de contas nas redes sociais e no encerramento de sites através de ataques de negação de serviço (envio de uma quantidade tão elevada de pedidos a um site que os seus servidores não conseguem aguentar, cortando-se assim a ligação a esse site) está mais próximo de ser mais uma arma na guerra contra o Estado Islâmico do que uma espécie de solução milagrosa para cortar os laços entre os fundamentalistas e os milhares de jovens que se sentem atraídos pelas promessas que lhes chegam através do Twitter.

Num artigo publicado na semana passada na revista Foreign Policy, Emerson Brooking, do Council on Foreign Relations, resumiu o que está em jogo com a declaração de guerra dos Anonymous ao Estado Islâmico. Por um lado, relativiza as reivindicações exageradas dos hacktivistas; por outro, reserva-lhes um espaço válido e positivo: "A verdade é que, comparada com eventos sísmicos como a queda de Palmira ou a batalha por Ramadi, a guerra da Internet parece ser pequena. Banir contas do Twitter, eliminar sites e mesmo identificar um ou outro militante não vai travar o Estado Islâmico. Não vai fazer muito para estancar o fluxo de jihadistas que vêm de todo o mundo para começar uma nova vida, ou para combater, no autoproclamado califado. Não irá nunca libertar a Síria e o Iraque. Mas não tem de alcançar esses objectivos. A finalidade da campanha digital contra o Estado Islâmico, repetida vezes sem conta pelos hacktivistas que a lançaram, é simplesmente contra-atacar – montar uma resistência onde antes existia um vazio."

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