Ahmad al-Mohamad, o homem cujo passaporte viveu oito vezes
Adensa-se o mistério da identidade do terrorista encontrado com um passaporte ao lado, junto ao Estádio de França.
A polícia sérvia suspeita que pelo menos oito pessoas entraram este ano na Europa com passaportes em nome de Ahmad al-Mohamad, como aquele que foi encontrado junto ao corpo de um dos bombistas que se fizeram explodir junto ao Estádio de França na sexta-feira à noite. Já poucas dúvidas restam de que se trata de um documento falso, mas persiste o mistério da verdadeira identidade do atacante, que terá usado as rotas dos refugiados para entrar no espaço europeu, talvez acompanhado de outra pessoa.
A polícia francesa difundiu na terça-feira uma fotografia, solicitando informações, que diz ser de um dos terroristas do estádio. A foto é diferente da que foi divulgada pelo jornal sérvio Blic – mas isso talvez se explique por haver vários passaportes com o mesmo nome, e apenas algumas variações nos dados pessoais. O documento original pertencia a um soldado do exército do Presidente sírio Bashar Al-Assad, de 25 anos, natural da cidade de Idleb, morto há vários meses.
Nos tempos que correm, não é difícil obter um passaporte sírio: há-os à venda a partir de 250 euros, sobretudo na Turquia. Também há os passaportes roubados, com selos verdadeiros e fotografias alteradas, que podem custar 5000 euros. Mas o pagamento depende se quem compra chega ao destino, explica o Guardian.
A Frontex, a agência europeia de controlo das fronteiras, já tinha dado o alarme. “Há pessoas a comprar passaportes sírios falsos porque sabem que estes lhes garantem asilo na União Europeia”, disse à rádio Europe 1 Fabrice Leggeri, director da Frontex. “São pessoas que falam árabe, vêm do Norte de África ou do Médio Oriente, mas têm o perfil de migrantes económicos”, precisou. Mas, até então, nunca se tinha detectado que terroristas usassem este esquema para se introduzirem na Europa.
Até porque há bastantes terroristas europeus – como se percebe por todos os envolvidos nos ataques de Paris identificados até agora, são cidadãos belgas e franceses, que se radicalizaram nos seus países e foram combater para a Síria. Regressaram a casa para cometer os atentados.
A polícia francesa terá, no entanto, obtido impressões digitais no cadáver que condizem com as do detentor de um passaporte sírio que chegou à ilha de Leros a 3 de Outubro e que foram registadas numa base de dados europeia, denominada Eurodac. Obteve autorização para seis meses de permanência na Grécia, mas rapidamente saiu do país – e, de acordo com a Reuters, esse pretenso Ahmad al-Mohamad não teria viajado sozinho.
Um agente de viagens da ilha recorda-se de lhe ter vendido bilhetes para o ferry que o levou para outra ilha e finalmente para Atenas, e que outro homem estava com ele. Pagaram em dinheiro. A 8 de Outubro estavam já no campo de refugiados de Opatovac, na Croácia, a partir de onde a Reuters lhes perde o rasto.
Mas nessa altura a Croácia estava a encaminhar milhares de refugiados todos os dias para a Hungria – que os enviava em comboios com as portas trancadas para a fronteira com a Áustria, onde acabavam por entrar sem que os seus passaportes fossem verificados.
A Hungria não estava a registar os migrantes naquela altura, e já tinha encerrado a sua fronteira com a Sérvia para travar a sua passagem a 15 de Setembro. Isto forçou os migrantes a desviarem a sua rota para a Croácia, continuando a entrar na Hungria – furioso, o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán transportava-os rapidamente para a sua fronteira Norte, muitas vezes sem os registar.
Budapeste hoje não tem registo deste Ahmad al-Mohamad, com as impressões digitais do bombista do Estádio de França, tanto quanto se sabe. E Karl-Heinz Grundboeck, porta-voz do Ministério do Interior de Viena, classifica como “conjecturas e especulações” a hipótese de que o terrorista tenha passado pela Áustria.
Mas sabe-se que Salah Abdeslam – um dos atiradores que dispararam sobre três esplanadas em Paris e um dos homens que estão em fuga – visitou a Áustria em Setembro. Foi visado por mero acaso num controlo rodoviário, tendo entrado pela fronteira alemã, confirmou a ministra do Interior austríaca, Johanna Mikl-Leitner.
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