Paris em estado de guerra: vigilante, mas “sem deixar de viver”
Assembleia Nacional francesa aprovou nesta quarta-feira por unanimidade o prolongamento do estado de emergência por mais três meses.
A França despertou na quarta-feira, mais uma vez, em estado de guerra, com tiros e explosões no decurso de uma gigantesca operação anti-terrorismo no subúrbio de Saint-Denis, à porta de Paris, onde permaneciam escondidos vários suspeitos dos atentados de 13 de Novembro no centro da cidade — duas pessoas foram mortas, e oito foram capturadas na sequência do assalto.
Os moradores do Boulevard Carnod e da Rue de la République, a centenas de metros da câmara municipal e da histórica basílica de Saint-Denis onde estão enterrados os reis franceses, foram acordados pelas autoridades por volta das 4h, com indicações precisas ora para se manterem fechados em casa ora para abandonarem o local imediatamente. Às 4h20, a primeira, longa, troca de tiros. Três horas depois, com a primeira luz da manhã, mais tiros e uma explosão, que matou uma mulher, que a polícia tentou dissuadir de fazer detonar o colete armadilhado que trazia vestido.
O alvo do raide policial (e militar, uma vez que a operação envolveu efectivos da polícia, guarda nacional e exército) era um delapidado edifício da Rue de République, descrito como um squat, onde estariam alojados, desde pelo menos a última sexta-feira, vários operacionais e — pensava-se — também o presumido comandante dos ataques terroristas de Paris, Abdelhamid Abaaoud, cujo paradeiro estimado era a Síria. Um outro homem, identificado como Jawad B., foi detido em directo durante uma entrevista à BFM TV em que admitia ter dado abrigo ao grupo suspeito num apartamento da Rue du Corbillon, alegadamente a pedido de uma amiga.
Com Saint-Denis em estado de sítio, à hora de ponta da manhã para a entrada nos trabalhos e nas escolas de Paris, a confusão voltou a tomar conta das estações do metropolitano, cujas linhas 5, 9 e 13 foram cortadas. A piorar um pouco a situação, a divulgação de uma notícia, não desmentida oficialmente, que dizia que uma boa percentagem de indivíduos com "ficha S" (por risco de “atentado à segurança do Estado”) eram trabalhadores do grupo RATP, que opera a rede de transportes públicos de Paris, levou muita gente a desistir de deslocar-se no metro. “É uma paranóia, mas lá dentro sinto-me enormemente vulnerável”, dizia ao PÚBLICO uma mulher que estudava numa paragem de autocarro uma possível alternativa à viagem subterrânea. “Já avisei no trabalho que vou chegar bastante mais tarde.”
Tal como a população, que sem sucumbir ao histerismo não tem deixado de fazer ligeiros “ajustes” às rotinas quotidianas depois dos atentados, os milhares de turistas em Paris têm adoptado uma postura apropriada ao estado de excepção que se vive na capital francesa: as deslocações são cautelosamente preparadas e deixam pouca margem para o fortuito e casual; as esplanadas são evitadas e as saídas à noite reduzidas ao mínimo. “Temos jantado nas imediações do hotel, e hoje acho que vamos pedir o serviço de quartos”, admitia Imelda, turista chilena que faz parte de um grupo organizado “de 30 ou 40 pessoas” a cumprir um itinerário de quase um mês por várias capitais europeias.
Na quarta-feira de manhã, alguns dos companheiros de viagem de Imelda preferiram ficar no hotel a seguir até ao bairro de Montmartre, para a programada visita à basílica do Sacré-Coeur. “Estavam colados à televisão, a ver o cerco aos terroristas, e acho que estavam um pouco receosos de sair”, explica, e olhando à volta pode deduzir-se que outros turistas também terão preferido mudar de planos perante a agitação matinal. “Estavam a dizer na televisão que os suspeitos estavam a preparar mais atentados. Quem nos garante que não andam por aí outros terroristas, que ainda não foram presos?”
Do balcão do seu pequeno quiosque Le Clos Montmartre, no canto imediatamente à direita da imponente fachada branca da basílica, Malika encolhe os ombros e alça as sobrancelhas, em resposta à baixa no movimento de turistas dos últimos dias. “Tem sido o que está aqui a ver: um lugar vazio”, informa. Na longa escadaria que une a esplanada do Sacré-Coeur ao movimentado bairro não estão mais do que 30 pessoas; o funicular sobe e desce praticamente vazio. “Não há muita gente; as pessoas têm medo e eu percebo. Para dizer a verdade, também saí de casa com algum receio, mas pensei que é preciso ser optimista. O medo não evita que nada aconteça: a ameaça é por todo o lado, mas não nos vai impedir de viver. É claro que temos de estar mais vigilantes, mas não devemos tornar-nos reféns em casa”, diz.
Apesar do optimismo, Malika diz que tenciona fechar o quiosque no fim-de-semana. A sua época (de exploração do local) vai de Maio até Novembro: sem turistas, não vale a pena prolongar a operação até ao fim do mês.
Imelda diz que hesitou em sair de manhã, “por causa do que estava a acontecer”, mas foi convencida pela amiga Pilar, ao seu lado, e tranquilizada pelo dispositivo de segurança que tem visto junto dos monumentos visitados. Depois de saberem dos ataques, quando ainda estavam em Roma, muitos dos viajantes do grupo pensaram em desistir do resto do percurso e regressar ao Chile. “Os nossos familiares estavam muito preocupados e diziam que talvez fosse melhor não vir, ainda por cima na nossa idade” — são mais de 70 anos, diz Imelda, sem precisar quantos mais.
Quem não hesitou em vir para Paris logo no dia seguinte aos ataques foi Kathryn Herr, que veio com a família de San Diego, nos Estados Unidos, fazer um périplo pela França. “Estávamos na região de Champagne quando aconteceram os ataques, com hotel marcado para Paris para a noite seguinte. Ligámos a perguntar se podíamos vir, se a circulação estava impedida, e disseram-nos que não”, conta, dizendo que não lhe passou pela cabeça desviar-se do itinerário. “Mas Paris, quando chegámos, era uma cidade fantasma. Muito triste tudo isto”, diz.
A sua filha, Brenda, acredita que para muitos turistas norte-americanos, como para ela, o frenesim que se vive em Paris evocará o mesmo estado de ansiedade que se sentia nos EUA depois dos atentados de 11 de Setembro de 2001. “São emoções muito fortes e que vieram todas de volta”, confessa. Mas as duas não sentem medo. “O que aconteceu foi terrível, mas foi muito diferente do que se passa no Egipto e outros lugares, onde os alvos são os turistas. Aqui os alvos foram os franceses”, compara Kathryn.
A operação em Saint-Denis foi dada por terminada um pouco antes do meio-dia — mais ou menos a hora em que era confirmada a quase unanimidade da Assembleia Nacional a favor do prolongamento do estado de emergência por mais três meses no país. Ao início da tarde, Denise, uma turista brasileira do Rio de Janeiro, já tinha coberto uma boa parte do Museu do Louvre, mas ainda tinha muito para andar. “Quando acordámos e vimos as notícias, pensámos que o melhor para hoje era ficar num único lugar, que fosse seguro. Há um batalhão de segurança lá fora, e ninguém entra aqui sem passar pelo detector de metais, então não me sinto minimamente ameaçada.”
Por baixo da imensa clarabóia em formato de pirâmide de vidro, o movimento nas bilheteiras e átrio do museu era incessante. “É difícil dizer se há mais ou menos gente depois do fim-de-semana. Novembro é habitualmente um mês calmo e como agora não há grupos escolares dá ideia de estar menos movimentado. Quanto aos turistas, não consigo estimar se há diferença ou não”, diz a funcionária do guichet das informações, Pauline.
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