Com metade do território da Síria na mão, o Estado Islâmico mostra a sua força
Exército sírio bateu em retirada de Palmira e entregou a cidade Património Mundial da UNESCO aos jihadistas.
Com a conquista de Palmira, o autoproclamado califado controla agora mais de metade do território da Síria e fica em posição de lançar novas ofensivas a cidades controladas pelo regime de Assad. Em particular Homs, a leste de Palmira, e, especialmente, Deir al-Zour, que sem as vias de abastecimento que passam por Palmira fica isolada de Damasco e mais susceptível aos ataques dos jihadistas.
O grupo tomou ainda a única e última fronteira da Síria com o Iraque que não estava ainda sob seu controlo. Al-Tanf, conhecida como Al-Waleed no Iraque, fica 240 quilómetros de carro a partir de Palmira e, de acordo com o Observatório Sírio, foi tomada pelos jihadistas às tropas de Assad ao final do dia de quinta-feira.
Em apenas dois dias, os radicais sunitas conquistaram duas cidades com importante valor estratégico. Em Ramadi, no Iraque, a capital da província de Anbar tomada pelo EI na terça-feira, as milícias xiitas ainda preparam uma contra-ofensiva para reconquistarem a cidade. Mas, por enquanto, os jihadistas controlam por completo Ramadi e vão progredindo nos arredores. Também na quinta-feira, o EI tomou as linhas defensivas do Governo de Bagdad, a cerca de sete quilómetros Leste da cidade, em Houssayba, de onde se esperava que saísse a ofensiva para a reconquista, avançou a AFP.
"Tememos agora o massacre dos filhos da tribo Albu Fahd", disse um coronel da polícia à AFP, referindo-se à tribo sunita que combateu o Estado Islâmico durante a defesa de Ramadi.
Mais do que uma simples expansão de território dos islamistas, Palmira e Ramadi são um sinal de que o EI tem ainda poder ofensivo que baste para conquistar cidades chave na Síria e Iraque e de que as teorias que apontam para o declínio do movimento parecem estar erradas.
Depois das derrotas em Kobani e em Tikrit, no início do ano, e de antes terem sido afastados dos territórios a sul de Bagdad, os islamistas pareciam estar a perder o controlo do seu território. Com o avanço dos bombardeamentos aéreos da coligação liderada pelos Estados Unidos e com o êxito das forças curdas e xiitas, a Economist escrevia na sua edição de final de Março: “O Estado Islâmico perde território, dinheiro e o consenso da população que governa.”
Mas a caminhada vitoriosa sobre Mossul a que se propôs o Governo iraquiano depois da reconquista de Tikrit não aconteceu. Em vez do seu declínio anunciado, o Estado Islâmico está agora em melhor posição para avançar com novas ofensivas na Síria e no Iraque desde que começaram os bombardeamentos aéreos. Para além de Palmira e Ramadi, os jihadistas redobraram os ataques em Alepo, Homs e Hama, na Síria, e conquistaram grande parte de Baiji, a maior refinaria do Iraque.
“Em vez de perderem recursos e combatentes, o grupo está na verdade a aumentar o seu controlo sobre as populações nos bastiões de Raqqa e Mossul; está também a atrair um número considerável de recrutas, especialmente adolescentes”, escreve a revista norte-americana Foreign Policy.
As imagens do Exército iraquiano em fuga de Ramadi, o mesmo que é treinado, aconselhado e armado pelos Estados Unidos, fizeram regressar as memórias das conquistas do Estado Islâmico em 2014, quando superou facilmente as forças de Bagdad e tomou de surpresa grande parte do território que agora controla. A linha oficial do discurso de Washington é a de minimizar as novas conquistas dos jihadistas. Mas, nos bastidores, a opinião é outra.
“Nunca vimos uma coisa assim”, disse um alto responsável do Departamento de Estado norte-americano ao New York Times, já depois de Palmira estar sob o controlo dos islamistas. “Ninguém tem ilusões sobre o que o Estado Islâmico foi capaz de fazer na semana passada”, disse, referindo-se à conquista de Ramadi.
A queda de Ramadi foi também uma derrota da estratégia norte-americana. O Exército de Bagdad foi novamente incapaz de afastar os jihadistas e, agora, a maior esperança para a cidade são os milhares de combatentes xiitas que preparam uma contra-ofensiva a partir do Sul de Ramadi. Mas os EUA parecem não estar dispostos de mudar de táctica e, de acordo com o New York Times, devem continuar a apostar no treino e armamento das milícias sunitas regionais e no Exército iraquiano. A possibilidade de envio de tropas norte-americanas está ainda fora de questão.
Numa entrevista à revista The Atlantic, o Presidente norte-americano, Barack Obama, considerou a queda de Ramadi "um revés táctico", mas também disse que não considera "que [os EUA estejam] a perder" a batalha contra o grupo radical sunita.
Palmira cairá
Na cidade conquistada de Palmira, parece inevitável que o Estado Islâmico destrua agora grande parte dos monumentos de origem romana, grega e persa, Património Mundial da UNESCO, alguns deles com mais de 2000 anos. Tal como o fez antes em Mossul, Hatra e Nimrud, no Iraque.
Na tarde de quinta-feira não havia ainda notícias de que os islamistas tivessem destruído qualquer monumento de Palmira. Antes da tomada da cidade pelos extremistas, responsáveis sírios evacuaram centenas de estátuas e artefactos dos museus da cidade, mas os principais símbolos de Palmira não puderam ser deslocados, como o templo de Bel, por exemplo, e os seus túmulos e colunas com centenas de anos.
O Estado Islâmico contesta qualquer tipo de idolatria não islâmica, sobretudo a que antecede o tempo do profeta Maomé, como é o caso do património mais precioso de Palmira. Essa foi, aliás, uma das principais motivações para a destruição de um grande número de relíquias assírias e romanas na antiga Mesopotâmia. E agora, com os olhos do mundo postos na cidade antiga de Palmira, os jihadistas têm diante de si uma nova oportunidade para avançar com a sua agenda de propaganda – algo que raramente desdenham.