UE convoca cimeira sobre refugiados devido a “situação de urgência nos Balcãs”
Eslovénia é o novo ponto de engarrafamento dos milhares de pessoas que fogem da guerra na Síria, com o frio e a chuva a agravarem a situação
Dormiram no meio do campo lamacento, juntando todos os cobertores e cachecóis que tinham, os corpos derramados no chão. Pelo menos 3500 migrantes passaram a noite de segunda para terça-feira ao relento na fronteira de Berkasovo-Bapska, à espera de atravessar da Sérvia para a Croácia. Na Eslovénia, a situação é ainda pior: 11 mil pessoas aguardavam para cruzar a fronteira com a Áustria num local, e noutro 6000 desesperavam para dar o mesmo passo. O pequeno país de dois milhões de habitantes, completamente ultrapassado pelos acontecimentos, pediu ajuda à União Europeia.
Em Bruxelas, Jean-Claude Juncker, o presidente da Comissão Europeia, ouviu e convocou uma mini-cimeira para domingo, para discutir a “situação de urgência” nos Balcãs, onde milhares de refugiados se acumulam – a uma velocidade ainda superior à do Verão, pois a combinação da chegada do Inverno e as notícias de que as portas da Europa podem em breve fechar-se fez muitos decidirem-se a pôr-se a caminho. E os bombardeamentos russos, que ajudaram as forças leais ao Presidente sírio Bashar Al-Assad a lançar uma nova ofensiva, geraram uma nova vaga de muitos milhares de refugiados da região de Alepo.
Juncker convidou os chefes de Estado e de Governo da Alemanha, da Áustria, da Bulgária, da Croácia, da Grécia, da Hungria, da Roménia, da Eslovénia e também os da Macedónia e da Sérvia – que não fazem parte da UE – para a cimeira de domingo, porque são neste momento os principais países de trânsito dos refugiados.
Estão a chegar às ilhas gregas entre 8000 e 10 mil pessoas diariamente, diz o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). E há pelo menos 27.500 pessoas nas ilhas à espera de transporte para Atenas e daí seguir o seu percurso na Europa. Segundo os números mais recentes, já chegaram à União Europeia 643 mil refugiados através do Mediterrâneo, e cerca de meio milhão de pessoas entraram pela Grécia.
A Chipre chegaram pela primeira vez nesta crise barcos com refugiados a uma das duas bases que a Força Aérea Britânica mantém na ilha, em Akrotiri. Serão 110 imigrantes – o porto de Tartous, na Síria, fica a apenas 241 km de distância, cruzando o mar. Não é certo qual será o seu futuro.
O Ministério da Defesa britânico recordou que existe um acordo do Reino Unido com a República de Chipre "desde 2003, para garantir que as autoridades cipriotas assumam a responsabilidade em situações como esta". Mas será que estas pessoas poderão ter asilo no Reino Unido, interrogou o jornal The Guardian? “Pelo nosso entendimento, não”, respondeu um porta-voz da Defesa.
Mas o ACNUR tem um entendimento diferente, sublinha o jornal. “De acordo com os termos do acordo de 2003, os requerentes de asilo que cheguem directamente às áreas de soberania das bases são da responsabilidade do Reino Unido, embora possam ter acesso a serviços na República de Chipre, pagos pelas bases.”
“Palavra-chave é frio”
Desde sábado, quando a Hungria fechou a sua fronteira com a Croácia, este país, que não integra a área Shengen, está a dirigir os refugiados para a Eslovénia, que é território Schengen, e já entraram no território deste pequeno país 21.500 migrantes. Mas a autoridades eslovenas não estão a conseguir processar os refugiados com rapidez suficiente.
A via-sacra dos refugiados entre a Croácia e a Eslovénia faz-se em fila, mais ou menos larga, de pessoas que marcham a pé, enroladas em cachecóis e cobertores, os sapatos cobertos de lama. enquadradas por polícia de choque, até chegarem a um sítio onde apanham um transporte – um comboio, autocarros.
O Parlamento esloveno esteve reunido pela madrugada dentro para passar nova legislação que dará ao exército maiores poderes para ajudar a polícia a guardar os seus 670 km de fronteira com a Croácia. O primeiro-ministro Miro Cerar anunciou que vai pedir à UE reforços para a polícia, vindos de outros países, e também apoio financeiro. Os responsáveis de várias polícias da Europa Central reuniram-se esta quarta-feira em Viena para discutir como ajudar.
“Por ora, a fronteira eslovena permanece aberta, mas se continuar a chegar assim tanta gente, teremos de reconsiderar a situação”, avisou o ministro do Interior esloveno, citado pela AFP. Ao mesmo tempo, Ljubljana acusa Viena de limitar as entradas de refugiados – coisa que a Áustria nega.
No terreno, a situação é dramática, com o Outono a impor-se nos Balcãs. Os refugiados que passaram a noite na fronteira de Berkasovo-Bapska em tendas ou apenas sob telas fornecidas por grupos de ajuda humanitária acenderam fogueiras para se aquecerem, relata a Reuters. “A palavra-chave é ‘frio’. Tem feito um frio de rachar, e esta foi a noite mais agitada”, disse Astrid Coyne-Jensen, de uma organização dinamarquesa.
“Bebés a chorar, mulheres a chorar. Acendemos grandes fogueiras, mas está muito frio, ninguém nos deu comida, só um bocado de pão”, disse Sayed, vindo de Damasco, a capital síria. “Sou de Hama, na Síria, tenho família na Turquia, e vou dizer-lhes para não virem, porque isto não é para pessoas, isto é só para animais”, afirmou, enquanto tentava partir um pedaço de madeira para pôr na fogueira em que se aquecia.