Velhos para trabalhar, novos para a reforma: mais de 260 mil desempregados têm 45 e mais anos
Perder o emprego com perto de 50 anos tem implicações profundas na vida das pessoas, sobretudo quando a crise reduz a zero as hipóteses de regresso ao mercado de trabalho. Texto originalmente publicado na edição de 16 de Dezembro de 2012.
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), no terceiro trimestre de 2011, em 689.600 pessoas desempregadas, 142.600 tinham 50 ou mais anos. Já no terceiro trimestre deste ano, o número total de desempregados subiu para 870.900 e, entre estes, 260.200 têm 45 ou mais anos.
De acordo com dados do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), em Outubro do ano passado encontravam-se inscritas nos centros de emprego e formação profissional 162.356 pessoas desempregadas com 50 ou mais anos. Um ano depois, este número já era de 187.622. Ainda segundo números do IEFP, entre Janeiro e Setembro, cerca de 23% dos abrangidos em medidas de emprego e formação (cursos e formações) estão nesta faixa etária.
Helena Fonseca ainda só tem 45 anos, mas já tem medo de não voltar a arranjar emprego, devido à crise. Trabalhou 19 anos no Bingo da Associação Académica da Amadora: vendia cartões, cantava os números.
"Ter 45 anos é maravilhoso, mas em relação a arranjar emprego é muito complicado, principalmente na situação em que o nosso país se encontra. Não tenho perspectivas boas para o meu futuro, infelizmente. Trabalho desde os 18 anos, sempre fui muito independente. Vamos ver o que me vai calhar", diz.
Maria Amélia Carvalho trabalhava há 37 anos no Hospital Particular de Lisboa. As dificuldades atravessadas pela instituição levaram-na a consultar um advogado do Sindicato de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul, onde é dirigente, e a rescindir alegando "justa causa", devido a, entre outras questões, salários em atraso. Tem 58 anos e sempre trabalhou, desde os 11 anos.
Ficar sem emprego com cerca de 50 anos afecta "a esmagadora maioria" das dimensões da vida da pessoa, para além da questão dos rendimentos: "O trabalho nas sociedades ocidentais estrutura toda a nossa vida. Estrutura o nosso quotidiano, as nossas expectativas, as relações que temos. Se deixamos de ter um quotidiano de trabalho, isso tem consequências nas nossas rotinas, nas nossas relações", diz a socióloga do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, Luísa Veloso. A especialista em Sociologia do Trabalho e do Emprego acrescenta que também a forma como a pessoa se posiciona na família é afectada.
Luísa Veloso chama ainda a atenção para a "vergonha social" que algumas pessoas sentem por não terem emprego, o que faz com que "tenham mais tendência para ficar em casa, para se fecharem": "A perda de emprego pode ser o princípio de exclusão social. Até vergonha de procurar emprego acontece. Não só há questões económicas, de sociabilidade, e família, como há esta questão da visibilidade."
Medos
Fátima Alexandre vive sozinha em Queluz. Os filhos, de 31 e 35 anos, estão a trabalhar nas áreas da Informática e da Engenharia Mecânica: "Felizmente", diz. Às vezes pensa neles, quando sente receio do futuro: "Tenho medo de me sentir desamparada... Os meus pais têm 80 e tal anos. Agora ajudam-me, dão-me umas coisas, chamam-me para almoçar. Talvez os meus filhos me ajudem, se eu precisar... Com a minha idade, deve ser um futuro muito jeitoso que me espera...", lamenta.
Era cortadora têxtil numa fábrica que fechou no final de Setembro do ano passado. Trabalhou lá 11 anos: "Não me passava pela cabeça que isto me fosse acontecer. Às vezes, o patrão dizia que aquilo estava muito mal, que qualquer dia fechava... Às vezes, víamos na televisão uma empresa que fechava, mas, no fundo, nunca acreditámos que isto nos fosse acontecer", justifica.
Para além da fábrica, onde recebia cerca de 600 euros líquidos, trabalhava também numa loja de arranjos, das 18h às 20h, onde auferia mais 200 euros. Todos os meses levava para casa cerca de 800 euros limpos. Agora, leva cerca de 600 euros do fundo de desemprego.
No início, quando foi para casa entrou em depressão. Chorava todos os dias. Depois, recompôs-se e, como não aguentava ficar fechada em casa, ia até à dependência do centro de emprego da sua área de residência, e metia conversa com a funcionária: "Ela dizia-me: "Ó Fátima, o que é que eu a vou pôr a fazer? Não consigo nada, mas venha cá todos os dias falar, gosto de a ver"".
Acabaram por encaminhá-la para um curso de apoio à família e à comunidade. "É para tratar de idosos, crianças e deficientes", explica. É uma área totalmente nova para Fátima Alexandre. "Trabalhei sempre nos trapos, não sei fazer mais nada... Mas, pronto, vou ficar com equivalência ao nono ano, que tinha incompleto".
Agora tem aulas todos os dias das 14h00 às 20h00, dão-lhe almoço, pagam-lhe o transporte. E está ocupada. Mas não tem esperança de voltar a encontrar trabalho: "No fim do curso, vamos ter de arranjar um estágio, mas não há garantias de emprego. Toda a gente no centro, mesmo os professores, já me disseram a mim e a uma senhora de 62 anos que há gente mais nova...", conta.
Como está a frequentar uma formação, Fátima Alexandre não é considerada nas estatísticas do IEFP como desempregada. Só voltará a integrar esses dados se, no fim da formação, não encontrar emprego. Nessa altura, terá 58 anos.
Volta e meia, ainda pergunta no centro de emprego se já encontraram algo para ela: "Dizem-me que não há aqui fábricas, não há nada."
De acordo com informação prestada pelo IEFP, encontrar um novo emprego depende de muitas variáveis (competências, habilitações, profissão, experiência profissional, necessidades do mercado) e pode demorar meses. Considerando o período entre Janeiro e Outubro, verificou-se que o tempo médio de regresso ao mercado das pessoas que pertencem a este grupo etário (50 ou mais anos de idade) foi na ordem dos 7,6 meses.
Apesar de também defender que a hipótese de pessoas com 50 ou mais anos voltarem a encontrar trabalho depende de diversas variáveis, Luísa Veloso não tem dúvidas de que, mesmo havendo diplomados sem emprego, vale a pena investir na educação: "As pessoas menos qualificadas são mais penalizadas. A educação fornece sempre às pessoas ferramentas para usarem em situações muito diversificadas."
A investigadora insiste, porém, que não depende apenas da pessoa a tarefa de voltar a encontrar emprego: "Falamos muito do que as pessoas em si podem fazer e a questão passa mais pelas decisões governamentais e também das próprias empresas."
Luísa Veloso entende que não faz sentido "o discurso de que se a pessoa não consegue emprego a culpa é dela quando se está a falar de tendências macrossociais". "O que acontece é que o tecido produtivo utiliza esse discurso de que quem vence na vida é o empreendedor, o inovador, de uma forma ideológica, e o pior é quando isso chega às políticas públicas. É um discurso perigoso".
Exploração
Helena Fonseca vive num T1 com o pai, reformado: "Está muito doente e com demência", conta. Apesar de ser um T1, a sala está dividida em duas divisões, pelo que cada um tem o seu espaço, explica.
Na sala, há um quadro de Londres, cidade onde Helena Fonseca já viveu cinco anos. Quando tinha 20 anos, pegou nas malas e meteu-se a caminho. Conta que trabalhou como governanta na embaixada de Angola, na do Zimbabwe e ainda numa família de armadores gregos, descendentes dos Onassis.
"Há cerca de 25 anos, na embaixada de Angola, recebia 200 contos por mês! Foi o melhor emprego que tive. Nestas casas, fazia as compras, cozinhava, recebia os recados, substituía o motorista quando era preciso."
Agora, que enfrenta o desemprego, não põe de lado a hipótese de voltar a fazer as malas. Ressalva que tem de cuidar do pai, mas alega que também não o pode fazer sem "condições monetárias". "O meu pai tem 76 anos, e está muito debilitado. Mas eu também tenho de tratar da minha vida, tenho 45 anos, sou uma mulher nova, ainda tenho muito para dar", frisa.
Quer trabalhar, mas não a troco do salário mínimo. "Não vou estar a viver do fundo de desemprego. Fui toda a vida activa. Quero trabalhar, mas quero ser justamente remunerada", explica.
Refém da casa
Tem visto os jornais todos os dias e inscreveu-se num site, através do qual vai recebendo no email propostas de trabalho. "Não tenho medo do trabalho, tenho duas mãos, duas pernas, mas agora é uma exploração por causa da crise. Pedem o 12.º ano, boa apresentação, experiência, e, quando chega ao salário, é o salário mínimo, ou a recibos verdes a trabalhar para um patrão", queixa-se.
Para já, um dos planos de Helena Fonseca, que tem ocupado o tempo no Sindicato de Hotelaria e Turismo do Sul, onde faz parte da direcção - sem qualquer remuneração - passa por acabar o 12.º ano.
Já os planos de Maria Amélia Carvalho, de 58 anos, são diferentes. Se pudesse cumprir os sonhos que tem, ia para o campo e, mais do que arranjar um emprego para si, preferia ver os jovens longe da precariedade.
"Se não há para os jovens, muito menos para cotinhas como eu!". Ri-se e chora ao mesmo tempo. Preocupa-se com as filhas. Uma delas, licenciada pelo Instituto Superior de Economia e Gestão, pensa emigrar.
Chegou a pensar vender a sua casa em Massamá e comprar uma no campo. Queria pegar numa enxada, tratar da terra. Mas pôs a ideia da venda de parte, porque lhe dão metade do que a casa custou. Anda, então, a ver permutas e, em princípio, vai tirar um curso relacionado com agricultura: "O campo é uma paixão".
Sabe que vai ser difícil fazer com que 600 euros, montante que recebe do fundo de desemprego, sejam suficientes. Mas alega que, se arranjasse um emprego entretanto, o mais provável é que recebesse ainda menos. O problema dos rendimentos mantinha-se: "E se não somos assaltantes, como é que fazemos?"