Um leitor protesta
A educação e formação do povo dependem de um desenvolvimento regular e crescente.
Mas talvez não seja mau começar pelo princípio. Durante todo o século XIX e parte do século XX, houve sempre uma persistente repugnância das famílias em mandar os filhos para a escola. Os políticos de Lisboa não compreendiam, os pensadores de serviço (e havia muitos) acusavam a Igreja e a irremediável bruteza do povo. E, no entanto, o povo era perfeitamente lógico. Queria os filhos para trabalhar no campo, coisa para que não precisavam de saber ler e escrever, e não, como se dizia, “para padres”, a única carreira que, na prática, a escola abria.
Por esse mundo fora, nunca nenhum governo insistiu em criar ou ajudar o ensino obrigatório e gratuito para promover o crescimento da economia. Os motivos foram geralmente combater a Igreja Católica, fortalecer as seitas protestantes (que liam a Bíblia em vulgar) ou mesmo, segundo constava, para aumentar a eficiência do exército. E não se enganavam. Com o mesmo grau de literacia, a Alemanha do século XIX acabou por ser a primeira potência da Europa e a França continuou um país rural e atrasado. Mas não é preciso ir tão longe. Antes do governo Guterres tomar posse, a Fundação Casa de Mateus decidiu organizar um debate sobre educação onde estavam as luminárias da altura: Veiga Simão, Roberto Carneiro, Marçal Grilo e outros místicos do género. Expliquei então a S. Exas que elas preparavam um enorme desemprego de diplomados. S. Exas riram com impaciência e superioridade. Hoje com certeza que não se riam.
O desenvolvimento económico depende dos recursos naturais (antigamente do carvão e do ferro), da situação geográfica, das comunicações, dos capitais disponíveis, do mercado interno actual ou potencial, das vantagens no mercado externo, da estabilidade social e política, da eficácia do Estado e por aí fora. Não depende da educação e formação do povo. Pelo contrário, a educação e formação do povo dependem de um desenvolvimento regular e crescente. Na ausência de tudo ou quase tudo o resto, desde o século XVIII (e de Verney a Sérgio) que os portugueses se refugiaram por puro desespero no salvatério da educação e da formação. Sem resultado, ao que parece. Seria bom que, por uma vez, pensassem primeiro.