Um casino na aldeia

De Caminha a Sagres, é possível viajar quase sempre à beira-mar. Durante cerca de 800 quilómetros, de Julho a Setembro, vamos percorrer a costa ocidental portuguesa, com uma moto, uma tenda e um bloco de notas. Começamos por Afife.

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Avistado ao longo do rio Minho, com os seus bancos de areia e os montes espanhóis na outra margem, até Moledo, em frente à ilha da Ínsua, o mar é verde, revolto pelas correntes e a ventania, e as praias brancas e selvagens.

A estrada que domina a viagem é a Nacional 13, até Viana do Castelo. Mas antes de Vila Praia de Âncora há uma via sempre à beira-mar. Depois, N13 até à Gelfa e Afife, povoações discretas, com uma veiga de milheiral entre os montes e o mar, cravado de rochedos que o ligam à praia, numa continuidade fazendo sentir que tudo é parte do mesmo arquipélago de névoas e cores intensas.

Afife está afastada do mar. Quase não se vê, quase não existe, e é preciso sair da estrada para encontrar a aldeia. No centro, entre a escola primária e a junta de freguesia, ergue-se um magnífico palacete de dois andares, paredes amarelas e janelas brancas: o Casino Afifense.

Dá uns ares de boémia mediterrânica entre guerras mundiais, de Montecarlo soprado por um devaneio sul-americano. E a sensação de que, se entrássemos, a orquestra estaria a tocar, o salão à pinha e os ajanotados burgueses afifenses a arrastar, a pulinhos de foxtrot, as donzelas para recantos fora do alcance visual dos pais, instalados nos camarotes. Mas as portas estão fechadas. O estado de conservação do edifício é excelente. Tudo intacto e convidativo, mas não se pode entrar. É um mundo proibido.

A culpa é do presidente da associação, que não quer tornar o casino acessível, acusam algumas vozes da terra. Pessoas demasiado ligadas ao passado, diz o presidente. Estranho, porém, não é o casino estar encerrado. Estranho é haver aqui, nesta aldeia com pouco mais de mil habitantes, um casino.

Só o bar se mantém aberto, num sector independente do edifício, com a sua esplanada no passeio e clientela fiel, quase toda acima dos 60 anos. Tomás Pinto, um homem meticuloso e agitado, que usa calções no Verão e no Inverno, vem aqui todos os dias como se o tempo fosse uma dimensão congelada.

Tem cabelo branco, tez bronzeada, olhar de artista incompreendido e 63 anos de idade, mas podia ter 18. E entrar, de fato e gravata (casaco sempre apertado, segundo as regras definidas pela Associação), na sala de espectáculos do Casino Afifense em dia de Baile do Caldo Verde, de jogo “legítimo” ou de representação da Antígona, em que até os capacetes dos soldados atenienses foram fabricados por tanoeiros locais.

Nada saiu do sítio. Nem Tomás Pinto, nem o casino, nem a aldeia de Afife, no enfiamento do mar, da veiga e dos campos de milho. Nada mudou e tudo mudou.

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Tomás Pinto, sobrinho-neto do fundador do CAsino Afifense, continua a ir ao bar do Casino todos os dias

Para quem passa, Afife não parece mais que uma estância de veraneio. Um reduto de beleza pura onde alguns ricaços construíram casas de férias, certos artistas bem-sucedidos e velhas famílias inglesas do vinho do Porto procuram refúgio e recato.

Ao contrário de Moledo e outras praias da zona, aqui mantém-se a distância do mar e dos olhares. É um lugar avesso à ostentação, de carácter altivo e elitista, como, talvez por determinismo da paisagem, aliás sempre foi.

Afife não é terra de pescadores, como Âncora e outras povoações da costa nortenha. É zona agrícola, mas de produção tão pobre que os homens válidos emigram desde que há memória. Partiam para Lisboa, Porto e Coimbra, e daí para todos os cantos do país, para trabalhar na construção civil, como pintores, rebocadores e caiadores. Alguns foram para Espanha, Brasil, Uruguai, Argentina ou América do Norte.

Mas terá sido no Porto, desde o século XVIII, que obtiveram maior especialização. Num livro de assentos de receitas e despesas da Igreja de Santa Marinha de Vila Nova de Gaia, são mencionados como mestres rebocadores nas obras de restauro iniciadas em 1745 os irmãos Manuel Alves Bezerra e Mateus Alves Bezerra, naturais do lugar de Agro de Cima, na Casa das Catôrras, freguesia de Afife, Viana do Castelo. No mesmo documento, guardado no Arquivo Distrital do Porto e citado numa monografia de Afife escrita por Avelino Ramos Meira em 1945, é ainda referido, provavelmente para justificar o pagamento generoso de 4 moedas, o facto de os irmãos Bezerra terem previamente trabalhado nas obras da Igreja e torre dos Clérigos, sob a direcção do arquitecto italiano Nicolau Nasoni.

Terá sido com ele e os seus operários que os afifenses aprenderam a arte dos tectos em estuque, que introduziram em Portugal, e revelaria extrema utilidade nas reconstruções pós-terramoto de 1755 e viria a disseminar-se pelo país, passando e aperfeiçoando-se de geração em geração. Depois da Primeira Guerra Mundial, muitos estucadores afifenses encontrariam trabalho em França, onde aprenderam a fazer rendilhados de cal e gesso estilo Luís XV, Luís XVI e Império.

Durante os séculos XIX e XX, estucadores afifenses surgem mencionados por todo o país, quer pela autoria de obras, quer pela fundação de escolas.

Os Bezerra e seus descendentes viriam a assinar trabalhos de extrema importância em Lisboa, Porto, Guimarães e outros locais. Outros estucadores lendários foram os irmãos Ferreirinha, o mestre José Moreira, conhecido por “Francês”, diz-se que por a sua mãe ter sido violada por um soldado napoleónico da invasão de 1810, e Domingos Meira, que seria condecorado com a Comenda da Ordem de Cristo e a quem se deve, por exemplo, a decoração do grande salão do Palácio da Pena, em Sintra, e salões no Palácio das Necessidades, do Duque de Loulé e dezenas de outros palácios.

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Para quem passa, Afife não parece mais que uma estância de veraneio. Um reduto de beleza pura onde alguns ricaços construíram casas de férias, certos artistas bem-sucedidos e velhas famílias inglesas do vinho do Porto procuram refúgio

Nessa era de ouro, entre o século XIX e primeira metade do século XX, praticamente só as mulheres ficavam em Afife, para trabalhar na agricultura. A maioria dos homens dedicava-se ao estuque ou artes afins, e vivia fora da sua terra. Por todo o lado, eram prestigiados e respeitados, vistos não como artífices, mas como intelectuais. Apresentavam-se nas obras de sobrecasaca e chapéu alto, ou de fraque, colete branco, calça de fantasia e chapéu de coco, segundo a monografia de Avelino Meira, ele próprio filho e neto de estucadores.

Não sujavam as mãos. Supervisionavam os trabalhos e, nas fases estritamente criativas da sua função, mandavam sair os operários e agiam sozinhos, fechados no recinto, para que os segredos da sua superior arte decorativa não fossem revelados.

E é esta gente, que enriqueceu, não pelo comércio, mas pela sofisticação da sua arte, esta espécie de aristocracia do espírito nascida do povo, que vai refinar uma paixão pelo teatro.

Sempre houve, como em todas as aldeias, as peças religiosas representadas no adro da Igreja, ou junto à capela da Senhora da Lapa, ou ainda na eira da casa conhecida como do Firranca da Pôça. Mas a dada altura do século XIX essas manifestações populares começaram a ser levadas muito a sério. Alguns actores especializaram-se, o nível de exigência aumentou.

Era uma forma de ligação à terra, mas também de diferenciação. Pessoas de sensibilidade e bom gosto a quererem demarcar-se da rudeza do campo.

Em 1859, foi fundada a primeira de um conjunto de associações de cultura, solidariedade e recreio: a Sociedade do Teatro Afifense. Num terreno oferecido por um afifense e após a criação de uma sociedade por quotas de 28 cidadãos, em que cada um pagou uma libra de ouro, construiu-se um teatro de pedra e cal, onde seriam levadas à cena as peças Milagres de Santo António, Morgadinha de Val-Flor, Fausto, entre outras.

Quase todos os estucadores aprenderam a representar, alguns, dizia-se, muito bem, tanto na especialidade dramática como cómica. Foram convidados alguns encenadores, de fora, mas os actores eram todos de Afife. Só homens, bem entendido, que às damas da época não ficava bem a exibição de palco. As personagens femininas eram assim representados por homens, papéis que, segundo o autor da citada monografia, “alguns faziam com relativa naturalidade”.

Camilo Ramos, 68 anos, conservador do Registo Civil reformado, ex-presidente do Casino Afifense, recorda o caso, relatado pelo pai, estucador, do actor que anuiu a representar um papel feminino, mas se recusou a rapar o bigode.

Numa fase mais tardia, o próprio pai de Camilo, a trabalhar em Lisboa, ensaiava as peças, durante todo o ano, no seu quarto alugado, com outros artistas conterrâneos, em preparação para os espectáculos de Natal, em Afife.

Quem distribuía os textos por todo o país era o encenador Lúcio Amorim “Pirilau”, um grande sedutor e bon-vivant desses tempos de euforia, que chegou a namorar a mãe de Camilo, antes de se tornar amigo do pai. Um dia, anos mais tarde, contou Camilo, “Pirilau” entraria no Casino Afifense particularmente bem aperaltado, de casaca e gravata, para uma partida de “Solo”, um jogo da moda na altura. “Vieste para o combate”, comentaram os amigos, aludindo às suas míticas lides de D. Juan. Mas não era isso. O “Pirilau” fazia tudo em grande, e essa noite, no fim da qual se suicidaria, como planeado e explicado num bilhete previamente escrito, era uma grande noite para ele.

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Luxuoso salão de espectáculos e bailes com lotação de 500 pessoas e um palco espaçoso apetrechado com teia de cenários e uma enorme tela de proscénio

O êxito da Sociedade do Teatro levou à fundação, em 1885, com 57 sócios, da Sociedade Recreativa Afifense, que se instalou num prédio do Largo do Cruzeiro, mas depois se mudou para o edifício do velho teatro. Além das peças, realizavam-se agora também os bailes e apoiava-se o desenvolvimento da povoação. Uma das conquistas da Sociedade Recreativa foi, após sete anos de acesas discussões nas reuniões da assembleia, a criação da escola primária feminina.

Um argumento pesou na aprovação desta ousada iniciativa: as raparigas deveriam aprender a escrever as suas próprias cartas de amor aos namorados que viviam fora da terra. Ao serem obrigadas a pedir a terceiros que as escrevessem, os seus ternos segredos de adolescência acabariam nas bocas do mundo, fragilizando as suas famílias pela vida fora.

No final do século XIX, divergências entre grupos de simpatia monárquica e republicana acabariam por criar uma cisão na Sociedade Recreativa. Em 1899, foi criado o Clube Afifense, de tendência republicana, que, além das actividades já habituais, incluía a assistência médica aos sócios.

Durante anos, as duas sociedades funcionaram em paralelo, com um número crescente de sócios comuns, até que optaram pela fusão. Foi criada, em 1929, a Associação do Casino Afifense, que funcionou na sede da antiga Sociedade Recreativa, até à construção do seu novo edifício, em 1935.

Não se sabe por que foi escolhida a designação “casino”. Provavelmente por influência galega ou francesa. Sabe-se que a intenção nunca foi criar uma casa de jogo, mas um centro de eventos culturais e sociais. Tão-pouco se sabe quem desenhou a planta original do edifício. Se algum afamado arquitecto de fora, se o próprio mentor do projecto, o afifense Tomás Fernandes Pinto, estucador, emigrado no Brasil durante cerca de 40 anos, onde enriqueceu.

Tomás Pinto distinguiu-se no teatro desde muito cedo. Há registos do seu nome nas actas do Clube desde 1914, quando interpretou a peça Uma Tourada do Ribatejo. Surge também mencionado como ensaiador.

Quando regressa a Afife, rico, após um percurso como construtor civil no estado do Maranhão, traz, qual Fitzcarraldo do avesso, o sonho de construir um teatro na sua terra.

Não foi fácil. A ideia era megalómana e cara, e suscitou resistências. Constituiu-se uma sociedade para a obra, a Edificadora, Lda, angariaram-se fundos, com quotas extraordinárias dos sócios, donativos, receitas de festas e espectáculos e até subsídios do Estado. Mas só a compra dos terrenos custou 186 contos, e o orçamento inicial da obra foi de 75 contos, largamente ultrapassado.

Numa assembleia geral do casino, o mestre de obras, António Folha, chegou a declarar que, por aquele dinheiro, não aceitaria tão magna obra, sob pena de desgraçar a sua empresa. Mas foi nesse momento que Tomás Pinto se levantou e pronunciou o memorável discurso segundo o qual ele próprio faria a obra, arcando com todos os custos necessários. Folha acabaria por aceitar a empreitada, mas todos os (avultados) gastos adicionais foram suportados por Tomás.

Quatro anos após o início dos trabalhos, nascia, em 1935, o imponente Casino Afifense, um símbolo de tenacidade, bom gosto e poder, distinto de todos os outros edifícios da região.

Compõe-se de um luxuoso salão de espectáculos e bailes com lotação de 500 pessoas, com duas galerias e um balcão, um palco espaçoso apetrechado com teia de cenários e uma enorme tela de proscénio. Foi pintada há mais de 100 anos pelo artista Ferreira Alves, para o antigo teatro, tendo sido depois acrescentada, adaptando-se às maiores dimensões do casino.

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O afifense estucador Tomás Fernandes Pinto emigrou para o Brasil e enriqueceu. No regresso a Portugal empenhou-se nas obras do Casino, que fundou em 1935

O soalho do salão tem duas posições: nivelado pelo palco, para bailes e festas, ou descido cerca de 1,5 metros em relação ao palco, com inclinação de anfiteatro, para espectáculos. O movimento é operado, num sistema engenhoso e raríssimo, através de quatro fusos manobráveis, por quatro homens em simultâneo, na cave do edifício.

No primeiro andar há ainda, ao lado da sala de jogos e da biblioteca, o Salão Nobre, decorado em estuque e pintura por artistas da terra em estilo Luís XVI, com filetes dourados e tons de marfim.

“Vir aos bailes e espectáculos do casino era um sinal de distinção”, explica António Jardim, 68 anos, o actual presidente da associação. Não era para todos. Representava uma marca de exclusividade e diferenciação, numa região pobre, de pescadores, agricultores e apanhadores de sargaço.

A entrada era reservada aos sócios e não era qualquer um que podia ser sócio do casino. Só sob proposta de outro sócio e com aprovação em assembleia geral, que não tinha por hábito facilitar os procedimentos.

Durante cerca de cinco décadas, até à decadência dos anos 1980, sucederam-se os espectáculos, as festas e os bailes no casino, atravessando, depois das fases monárquica e republicana, as do Estado Novo e da democracia. As tertúlias de Pedro Homem de Melo, poeta de Afife, continuaram depois da sua morte. A prisão de Gungunhana foi pretexto para um baile grandioso, mas, em 1969, em plena greve de estudantes de Coimbra, José Afonso veio ao casino cantar Os Vampiros, com uma guarda de sete pides à porta. Camilo Ramos, então estudante de Direito em Coimbra, e um dos mentores da iniciativa, foi chamado à polícia sob suspeita de ter canalizado dinheiro para os grevistas a coberto do cachet de oito contos do Zeca.

Já depois de 1974, houve espectáculos com centenas de artistas, como o recital de 400 poetas, em 1984, que incluiu Natália Correia e Ary dos Santos, e música de António Vitorino de Almeida, Carlos Paredes e os Trovante.

Mas isso era já o canto do cisne, numa época em que o boom do movimento associativo viria a esvaziar o casino de propósito e sentido. Para Tomás Pinto, sobrinho-neto do emigrante brasileiro que construiu o casino, o mundo continua parado naquelas noites dos anos 60 em que vinha dançar e namorar nos bailes de Verão ou de Carnaval.

As festas, que não deveriam ser muito diferentes das das décadas anteriores, duravam até às duas da manhã e eram momentos privilegiados, concentrados de vida. Não havia outros divertimentos, as raparigas, fora destas noites de excepção, quase não saíam de casa. Se alguma ousava ficar na rua até um pouco mais tarde, tinha logo direito a uma ofensiva admoestação da mãe: “Tive de te ir buscar com uma candeia.”

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Tomás lembra-se do Conjunto Alegria, a orquestra do pai do Quim Barreiros, tocando a valsa, o tango ou o foxtrot. Recorda ainda quando chegou a moda to twist precursor do rock and roll, interpretada pela nova banda Os Xornas, e os protestos dos sócios mais conservadores. “Foi uma luta. Dos camarotes, as pessoas cuspiam para a sala de dança, quando fazíamos o twist.

De um modo geral, as regras eram estritas e o código comportamental rigoroso. Para os homens, era obrigatório sapato engraxado, fato e gravata, com casaco apertado. Em certas noites de Verão, o calor era tanto, com 500 pessoas apertando-se no salão à pinha, que a direcção do casino se reunia de urgência para autorizar os homens a abrir o casaco.

As raparigas casadoiras, que se sentavam nas cadeiras laterais do salão, à espera de quem as convidasse para dançar, tinham de vestir-se “de lavradeira”, com os trajes tradicionais minhotos.

“Uma pessoa tinha de dançar numa compostura terrível”, recorda Tomás. Era preciso fazer evoluir os movimentos num sentido contrário aos ponteiros do relógio, para não haver choques ou encostos. E era obrigatória uma distância púdica com o par, ferozmente fiscalizada pelo chefe de sala, que distribuía comentários e ameaças pelos mancebos de cabeça perdida. “Tem de haver espaço para passar o ar”, dizia ele, colocando a mão entre os peitos arfantes.

Se algum sócio reincidia no abuso, era retirado e levado à direcção, para um raspanete ou sumária expulsão da festa. Em casos mais graves, levava um discreto arraial de pancada dos seguranças e podia ser expulso da associação por deliberação posterior da assembleia de sócios.

Tudo para garantir um ambiente selecto nos bailes, que causavam inveja em toda a região. Com idênticos propósitos, também as mulheres não entravam sozinhas na festa (em geral, só os chefes de família podiam ser sócios, levando com eles esposas, filhas e criadas). Uma vez no casino, as damas podiam dançar, mas não ir sozinhas ao bufete. Até as criadas podiam dançar, mas só mais tarde, quando não houvesse nenhuma senhora na pista.

Os rapazes agrupavam-se junto ao palco e avançavam para as donzelas, solicitando a dança. Que podia ser recusada, o que era uma vergonha. Dos camarotes, os mais velhos que observavam atiravam logo um comentário: “Já levaste meio-tostão. Vai ao bar beber para esquecer.” E o embaraço seria ainda maior se, após uma recusa, o imberbe tentasse a moçoila do lado e levasse outra tampa, o que era provável, porque ela não queria parecer menos exigente que a amiga.

Tomás evitava isto abordando-as por trás. Até hoje, não há testemunhas das inúmeras tampas que levou até conseguir os favores da menina que é hoje a sua esposa.

Agora, o Casino Afifense é um casarão vazio, mas Tomás continua a vir aqui todos os dias. Senta-se no bar, à conversa, frequenta as reuniões da associação, como Camilo Ramos e muitos outros, mantendo vivas as velhas polémicas, as velhas discussões. “Aquelas estruturas metálicas não deviam ter sido colocadas nas colunas. Não é harmonioso”, barafusta ele, como se isso tivesse alguma importância.

António Jardim, que não é natural de Afife e assumiu recentemente a presidência da associação, após um vazio de poder, tem planos para o casino. “Pode vir a ser o terceiro pólo cultural do distrito, depois do Teatro Sá de Miranda e do Centro Cultural de Viana”, diz Jardim, que anda a tentar enquadrar o caso, na Câmara Municipal de Viana do Castelo, para se candidatar a fundos comunitários. “Será um teatro para espectáculos mais intimistas, para um público de nicho.”

Pouco importa que os sócios estejam todos na terceira idade, que já nem paguem quotas por terem cartão dourado. O Casino Afifense está fora do tempo.

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