Respirem fundo: o futuro está em boas mãos
Entre ouvir Cavaco Silva falar sobre os jovens ou jogar Call of Duty III durante 15 horas, quem não sente uma súbita vontade de ir rebentar com qualquer coisa?
De forma mais geral, parece ser verdade que os mais jovens têm maior facilidade em aprender numa variedade de contextos (seja uma língua estrangeira [1] ou em experiências assentes em jogos de causalidade, por exemplo). Outros estudos dizem-nos que, por abordarem as situações de uma forma mais criativa e menos preconceituosa, também podem ser melhores do que os adultos a resolver problemas.
Chegou a hora de adicionarmos algo a esta lista: pelo menos em Portugal, os jovens também têm uma percepção da realidade política que é claramente superior à dos adultos. É essa a principal lição do estudo que recentemente fez manchetes sobre as atitudes dos jovens face à política. Ficámos a saber que 57.3% dos jovens entre os 15 e os 24 anos não tem qualquer interesse em política (média nacional: 47.8%) e que apenas 1% deles pertence a um partido político (média nacional: 2.1%).
Outro ponto fundamental é que este estudo vem confirmar o que escrevi acima: os jovens aprendem com extraordinária facilidade. Para ver que assim é, basta compararmos estes números com os de um inquérito semelhante realizado em 2007: nesses oito anos, a percentagem dos jovens entre os 15 e os 24 anos que não tinham qualquer interesse em política duplicou (em 2007, eram apenas 23.5%) e o seu nível de participação em partidos reduziu-se a um quinto do que era (em 2007, eram 5.2%). As novas gerações são, não apenas mais inteligentes que o resto da população portuguesa adulta, como obviamente revelam perceber cada vez melhor alguns aspectos fundamentais de como funciona o mundo em que vivem. (A saber: que, enquanto cidadãos, são completamente impotentes.)
Vejamos, por isso, com algum optimismo estas notícias. Algum assessor de Cavaco Silva lhe terá sussurrado ao ouvido — e provavelmente bem alto, que o senhor, afinal, já tem idade para ter um vasto interesse pela política — que estes números reflectiam “a crescente apatia cívica” e “indiferença” dos jovens face à política. De onde vem esta estupenda ideia?
Desligar-se de algo que (i) é deprimente e (ii) face ao qual nos sentimos impotentes é uma reacção perfeitamente racional. Quem disse a Cavaco Silva que é “apatia” — em vez dos bem mais prováveis desprezo e resignação face ao triste espectáculo a que Cavaco preside — o que explica estes números? O paternalismo senil de Cavaco Silva sugere que os jovens não sabem o que é realmente importante, que precisam de uma voz “adulta” que lhes explique que andam a prestar atenção ao irrelevante e que, filhos, já vai sendo hora de começarem a prestar atenção à conversa dos adultos — ou seja, aos jogos político-partidários que (para grande alívio dos grupos de interesse que governam a nossa sociedade) passam por “política” em Portugal.
Ora, o desligamento dos mais jovens é, sim, motivo de regozijo por pelo menos duas razões. Primeiro, porque os jovens crescentemente rejeitam o circo com o qual Cavaco Silva e os restantes políticos portugueses gostariam que eles se entretivessem. Se “interesssar-se por política” significa serem espectadores passivos com um telecomando na mão que podem usar, cada par de anos, para alternar entre canais virtualmente indistinguíveis, quem os pode criticar por preferirem fazer algo de mais interessante? Entre jogar Call of Duty III, ver vídeos no Youtube ou ser exposto a outros 30 segundos de Cavaco Silva na televisão a dizer-nos como devemos pensar, qual de nós não sentiria uma súbita vontade de ir rebentar com qualquer coisa (ou simplesmente rever, pela oitocentésima vez, o The OMG Absolute Cutest Cat Video **EVER**)?
Segundo, uma outra boa notícia tem a ver com a participação dos jovens em partidos políticos. Cada vez menos jovens participam em partidos políticos e nas suas tóxicas jotas. Poderíamos pedir uma melhor demonstração da fibra moral da nova geração de portugueses? Apesar do enriquecimento rápido, tratamento privilegiado — aah, quase me esquecia — e falência ética que as juventudes partidárias prometem, os jovens de hoje parecem rejeitar cada vez mais essa opção.
Sarcasmo à parte, aqui fica um desafio a Cavaco Silva & Companhia e todos aqueles que se deixam seduzir por este bafiento discurso institucional sobre a “apatia” e “indiferença” dos jovens: dêem aos portugueses a oportunidade de recuperar o poder das mãos dos políticos — pois, como descrevo no meu livro, há múltiplas formas de o fazermos — e verão quão rapidamente esses mesmos jovens agarrarão essa oportunidade.
Aviso: poderão não gostar do resultado.
[1] “Psycholinguistics: Language, Mind and World”, p185
Professor visitante de gestão da Universidade de Nova Iorque, autor do livro "Reinventar a Democracia, 5 ideias para um futuro diferente