Querem limpar o sarampo à vacina do sarampo
Parques de diversões que apostam em montanhas-russas, comboios- fantasma e pessoas mascaradas de animais gigantes estão ultrapassados. Neste momento, há um novo tipo de atracção que se está a espalhar como um vírus. Porque é mesmo um vírus. Trata-se do sarampo, lançado pela Disneylândia, na Califórnia. Só a Disneylândia para se lembrar de aliciar a pequenada com a promessa de diversão, emoção e contracção de uma doença infecto-contagiosa. São génios do marketing. Vivemos numa época em que, quando uma criança espirra duas vezes seguidas, os pais mimam-na como a um doente terminal. Ter sarampo, então, faz a criança sentir-se realmente especial.
Num mercado competitivo como o do turismo familiar, a Disneylândia destaca-se ao proporcionar fantasia e necessidade de cuidados médicos. Porque o imaginário infantil é preenchido pelo barco dos piratas, pelo castelo da Bela Adormecida e pela quarentena.
Para acomodar a epidemia, a Disneylândia até mudou algumas das suas personagens principais. O Peter Pan, por exemplo. Continua a ser o rapazinho que não cresce, mas agora é porque apanhou poliomielite e está atrofiado.
No negócio dos parques temáticos, é preciso estar sempre à frente da concorrência. Segundo rumores, no próximo Verão, o Sea World vai apostar na peste bubónica.
Numa sociedade cada vez mais desigual, surgem estes pequenos sinais de igualdade: hoje em dia, para apanhar uma doença erradicada, já não viajamos para uma zona miserável de África, vamos para um dos condados mais opulentos dos Estados Unidos.
Claro que continua a haver diferenças. No terceiro mundo, os ratos transmitem doenças às pessoas. Nos países desenvolvidos, as pessoas é que contagiam os ratos. Na Disneylândia, só desde Dezembro, já infectaram 7 Mickeys, 4 Ratatouilles e um Fievel.
Este ressurgimento do sarampo sucede porque o movimento antivacinas garante que há uma ligação entre vacinação e autismo. E é capaz que seja verdade. Ouvindo as pessoas que se recusam a vacinar os filhos, nota-se o discurso repetitivo, a incapacidade de comunicar e as dificuldades de aprendizagem típicas do autismo.
(Nos EUA, a porta-voz do movimento é Jenni McCarthy, uma ex-coelhinha da Playboy. O que faz sentido. Ao nível da credibilidade, é o mais próximo que há do coelhinho da Páscoa.)
Mas é possível convencer os fanáticos antivacinas. A minha filha é ideologicamente contra as vacinas — começa a chorar sempre que estamos no mesmo código postal do Centro de Saúde — mas é aberta à razão. Principalmente se a razão for de chocolate e derreter. Por um gelado, deixa-se inocular. Até porque “inocular” é uma das palavras que ela julga que sou eu que invento, como “uquilongatonga”.
Da última vez que fomos às vacinas, prometi-lhe que, se a injecção magoasse, não deixava que lhe dessem mais nenhuma. E cumpri. Mal a picaram desatou a gritar. E eu disse à enfermeira: “Mas isto é assim, a aleijar? Acabou a parvoíce! Não julgue que dá mais picas à minha filha!” E ela: “Então, mas eu tinha-lhe dito que era só uma e…” Atalhei eu: “Não quero desculpas! À minha filha não dá mais nenhuma!” Passei por herói. E também por parvo.