Quem tem medo do debate público informado?

 

Porém, todos os relatórios internacionais reconhecem que o nosso SNS está entre os melhores do mundo. Os mesmos relatórios internacionais destacam que, em Portugal, as despesas com alguns medicamentos, terapêuticas e testes de apoio ao diagnóstico se situam acima da média dos países da OCDE, considerando no entanto que é possível reduzir essas despesas sem por em risco a qualidade dos serviços prestados. Ora, tendo o problema da sustentabilidade sido agravado com a actual crise financeira e com os défices de crescimento económico do país, ignorar aquele problema apenas contribuirá para inviabilizar o SNS.
 
2. É desejável que a redução da despesa pública não seja feita de forma administrativa e cega. É portanto compreensível que o Ministério da Saúde solicite pareceres e estudos acerca do modo como tal deve ser feito. E é natural que tenha pedido o parecer da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), uma vez que esta é a instituição criada no nosso regime democrático para, justamente, se pronunciar sobre este tipo de matérias. O que se diria se o ministério tivesse decidido cortes nas despesas públicas de saúde sem antes solicitar o parecer de peritos?
 
3. Vale a pena ler o parecer da CNECV. Podemos discordar dele mas está técnica e cientificamente fundamentado e responde às questões colocadas. Em particular, identifica de forma exaustiva as condições, as instituições e os profissionais que devem, em diferentes fases, ser envolvidos na discussão pública e na tomada de decisão política sobre matérias como a racionalização dos gastos com os cuidados de saúde.
 
4. Perante o parecer da CNECV, gerou-se uma controvérsia alimentada pelo desconhecimento e pelo populismo. As controvérsias são úteis em política quando se baseiam em informação, conhecimento e debate racional de ideias, não na exploração das emoções e do desconhecimento, sobretudo em assuntos tão delicados e de tão elevada complexidade.
 
5. Os dois momentos mais negativos do debate foram protagonizados pelo bastonário da Ordem dos Médicos e por elementos da direcção do Partido Socialista. No primeiro caso, a ameaça de processo disciplinar aos médicos que assinaram o parecer é um claro abuso de poder, uma vez que emitir um parecer não é um acto médico. É, também, uma ameaça à liberdade de informação, de conhecimento e de pensamento, bem como uma tentativa intolerável de negar a possibilidade de discussão pública democrática sobre estes temas. Exige-se do bastonário de uma Ordem com tão grandes responsabilidades sociais um contributo para a discussão, não uma ameaça aos que não pensam como ele. No segundo caso, o pedido de demissão do presidente da CNECV, Dr. Miguel Oliveira e Silva, eleito democraticamente pelos seus pares, é tão lamentável e de um tal absurdo que parece justificado apenas pela (des)orientação tacticista e populista.

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