Professores: a retórica da valorização da profissão é uma falácia

Se o Senhor Ministro defende a qualificação dos docentes e pretende que os professores sejam excelentes, deveria valorizar a sua formação inicial e contínua e potenciar as suas habilitações no trabalho pedagógico com os alunos, em vez de os sujeitar a uma prova sem sentido e de os obrigar a trabalhar em condições cada vez mais precárias e difíceis.

Senhor Ministro da Educação,

Os limites da maleabilidade da minha memória, na linha do que refere Burke, foram abruptamente atingidos com a designada "Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades".

Na qualidade de professora do quadro, licenciada pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto e com estágio profissional, ainda hoje, sempre que elaboro qualquer instrumento que tenha por fim avaliar as capacidades dos meus alunos, tenho primeiro os seguintes cuidados: verificar se as minhas questões efetivamente avaliam os seus conhecimentos e capacidades; avaliar a forma como formulo as questões; criar uma matriz a fim de perceber se o meu trabalho está de acordo com o que pretendo avaliar; e, finalmente, realizar a ficha, no intuito de me certificar da clareza das questões.

Conhecedora da revolta dos meus colegas sobre a referida prova, ouvindo a comunicação social e sabendo a "imagem" que a sociedade tem dos professores, decidi imprimir as provas e realizá-las. E, porque gosto de sustentar a minha opinião, convidei também um grupo de amigos para a realizar, no tempo que à mesma foi destinado. Devo referir que a amostra era constituída por um grupo etário diferenciado, assim como diferenciada era a sua formação científica de base. Todos tivemos grandes dificuldades em perceber algumas questões; muitas das nossas respostas não coincidiam, nem podiam, com as apresentadas nos critérios de correção; ninguém conseguiu encontrar um só item que pusesse à prova conhecimentos e capacidades específicos da docência; finalmente, todos ficámos estupefactos sobre como o MEC considera que uma prova destas habilita alguém a ser professor…

Senhor Ministro, coloque a sua equipa ministerial a realizar a prova de capacidades e conhecimentos e explique aos professores, onde e como esta prova testa capacidades e conhecimentos relevantes para a qualidade do seu exercício profissional. Para além disso, avalie o trabalho de quem elaborou estas provas, pois as mesmas enfermam de ambiguidades e incorreções.

Como muitos dos meus colegas investi, ao longo da minha vida profissional, em formação complementar, com grande esforço financeiro e pessoal. Fiz, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o mestrado em História Contemporânea, tendo, no ano da elaboração da minha tese, lecionado 7 turmas e sido diretora de turma e coordenadora de departamento curricular e grupo disciplinar. Um ano mais tarde, frequentei uma Pós-Graduação na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto em "Prevenção da Violência de Género na Escola e na Família", com apresentação de tese pública e, no momento presente, tenho a minha tese de doutoramento praticamente pronta.

Se o Senhor Ministro defende a qualificação dos docentes e pretende que os professores sejam excelentes, deveria valorizar a sua formação inicial e contínua e potenciar as suas habilitações no trabalho pedagógico com os alunos, em vez de os sujeitar a uma prova sem sentido e de os obrigar a trabalhar em condições cada vez mais precárias e difíceis, na pirâmide de burocracia em que a docência se tornou – veja-se o caso das aulas de substituição, que, na verdade, não são aulas, são momentos em que os docentes tomam conta dos alunos, contra a sua vontade.  

Quando vejo a prova que supostamente habilita os meus colegas a exercerem a profissão docente, sinto-me insultada. Razão pela qual solicito uma reflexão que garantidamente o Senhor Ministro já terá feito, "esta prova nada prova". O que esconde não sei, mas sei que a retórica da valorização da profissão e da qualidade da escola pública é uma falácia. Por isso me senti compelida a escrever esta carta. Nada fazer seria arrancar da minha memória os tempos em que os professores eram felizes, passavam horas na escola por brio profissional e não se sentiam desrespeitados pelo ministro da tutela.

Professora do ensino básico no Porto

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