“Não há mapa cor-de-rosa”

O livro de Medeiros Ferreira conta uma parte do nosso tristíssimo destino.

Paulo Portas não inventou a “diplomacia económica”. O livro de Medeiros Ferreira (que saiu há pouco tempo) demonstra límpida e seguramente que, desde meados do século XVIII, Portugal sempre teve uma diplomacia de “natureza material e financeira”. Por uma razão simples: porque “a taxa de poupança interna foi sempre insuficiente” para “dar resposta” às necessidades da sociedade portuguesa. No século XX, por exemplo, isso aconteceu “desde o convénio com os credores externos de 1902” (e dos “suprimentos do Banco de Inglaterra entre 1916 -1918”) à “disputa pelas reparações [...] na Conferência de Paz de 1919”; e por aí fora até à estratégia com os beligerantes de 1939 a 1945. A “ideia” nunca deixou de ser “a captação de capital no exterior” para substituir o que não existia cá.

Não vou falar da bancarrota do Estado, que o liberalismo encontrou em 1820 e, a seguir, em 1834, e que provocou 30 anos de um desesperado conflito e três guerras civis, pagas pelo estrangeiro (a Inglaterra e a Espanha).Nem da lúgubre ginástica dos grandes “financeiros” do tempo: Silva Carvalho, Costa Cabral, Fontes Pereira de Mello e o inefável José Dias. Mas convém perceber qual era o problema: e o problema era o da incompatibilidade entre Portugal e a Europa. Em primeiro lugar, a incompatibilidade material. Não havia maneira de os portugueses pararem na caleche e na diligência, quando o “caminho-de-ferro” alastrava pela Europa inteira. Ou de viverem sem esgotos, sem iluminação urbana, sem estradas, sem pontes, sem sequer um hospital para morrer.

Era preciso tratar de tudo isto – com dinheiro emprestado, evidentemente. E também empregar a classe média (a partir de 1851, “ocupada” numa perigosa ociosidade); e os milhares de bacharéis de Coimbra, que esperavam um rendimento da sua “instrução” e de facto não serviam para nada. Foi a desgraçada circunstância de nenhum governo ter sido capaz de resolver este imbróglio que acabou por criar na política portuguesa uma atmosfera de querela constante e a sucessão de “crises”, que nos iam regularmente caindo em cima quando os credores se irritavam. O livro de Medeiros Ferreira conta uma parte deste tristíssimo destino e explica com serenidade e clareza como as nossas relações com a “Europa” depois do “25 de Abril” nos puseram, à custa de incultura e erros, na posição em que estamos. Indispensável.
 

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